“Sair de casa todo dia pensando se vou chegar vivo é bizarro, mas é a realidade de quem pedala em Maceió.” O desabafo do ciclista e biólogo Ivan Oliveira, 37 anos, morador do conjunto José Tenório, no bairro da Serraria, resume a sensação de insegurança que acompanha milhares de maceioenses no deslocamento diário.
Seja de ônibus, bicicleta ou a pé, a mobilidade urbana em Maceió enfrenta desafios persistentes — falhas na infraestrutura, falta de acessibilidade e ausência de fiscalização. Nesse contexto, cresce a expectativa pelo Plano Municipal de Mobilidade Urbana (PlanMobi), atualmente em elaboração pela Prefeitura.
O plano está sendo coordenado pelo Departamento Municipal de Transportes e Trânsito (DMTT), pelo Instituto de Pesquisa, Planejamento e Licenciamento Urbano e Ambiental (Iplam) e pela Secretaria de Ações Estratégicas e Parcerias, com apoio técnico da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Previsto na Lei Federal nº 12.587/2012, que obriga cidades com mais de 20 mil habitantes a elaborar seus planos de mobilidade, o documento busca reorganizar o transporte coletivo, ampliar a malha de ciclovias e dar prioridade aos pedestres. Mas a promessa só se tornará realidade se realmente atender às necessidades de quem depende do sistema diariamente.
No entanto, Maceió precisa correr contra o tempo, já que não entregou o plano — obrigatório desde 2012 — dentro do prazo determinado pelo Ministério das Cidades em abril de 2024 e, sem o envio, fica sem acesso a verbas federais para mobilidade urbana.
Além disso, a capital enfrenta os efeitos do afundamento do solo causado pela exploração de sal-gema pela Braskem em cinco bairros de Maceió, que, ao longo de sete anos, obrigou cerca de 60 mil pessoas a deixarem suas casas.
Ônibus lotados e espera demorada
Moradora do Salvador Lyra, na parte alta da capital, a estudante de Jornalismo Larissa Cristovão, 20 anos, convive com atrasos constantes e viagens desconfortáveis.
“O transporte público em Maceió ainda enfrenta muitos problemas. Os ônibus demoram bastante, principalmente nos bairros mais afastados, e quase sempre estão lotados. Já vi pessoas caindo por estarem em pé. É perigoso e desumano”, relata.
A estudante lembra que a redução no número de linhas que entram na Ufal dificultou ainda mais a rotina. “O trajeto se tornou longo por causa do trânsito e os ônibus chegam bem mais tarde do que o previsto. Isso atrapalha quem estuda e também quem trabalha.”
Para Larissa, melhorar o sistema não significa apenas aumentar a frota. “É fundamental que as faixas exclusivas sejam respeitadas. Falta fiscalização. Além disso, os pontos de ônibus precisam oferecer abrigo, iluminação e segurança.”

Ciclistas entre buracos e riscos de atropelamento
Quem se desloca de bicicleta enfrenta uma luta diária. Ivan, que pedala há sete anos, diz que a malha cicloviária da cidade não atende a quem usa a bike como transporte. “Muitas vezes disputo espaço na via expressa, onde só existe um pequeno trecho de ciclovia. Além disso, motoristas e motoqueiros invadem as ciclofaixas, colocando nossas vidas em risco”, denuncia.
Segundo ele, os riscos aumentam com os buracos e falhas de projeto. “Não tem um pedal sequer em que eu não leve uma fechada. Já saio de casa pensando se vou voltar vivo. É triste imaginar que o próximo ciclista morto pode ser um amigo meu – ou até eu.”
O ciclista defende ainda que a bicicleta seja vista como parte do sistema de transporte. “Quando existe uma ciclovia bem feita, a rua muda de cara. Mas enquanto a bike for tratada só como lazer, quem depende dela vai continuar invisível.”

A luta por acessibilidade
A assistente social e ativista PCD Paula Ravenala, 38 anos, moradora do Eustáquio Gomes, também na parte alta, enfrenta outro obstáculo: a falta de acessibilidade. “As calçadas são altas, os pontos de ônibus não têm acessibilidade e muitos veículos circulam com elevadores quebrados. Nem sempre motoristas e passageiros colaboram. Isso é exaustivo”, conta.
Paula explica que as dificuldades restringem sua vida social e profissional. “Já deixei de ir a eventos porque simplesmente não consegui chegar. É cansativo e limitador.”
Para a ativista, a participação popular é decisiva. “O plano precisa ouvir as nossas necessidades e conhecer a realidade de perto. Só assim vai garantir autonomia e inclusão.”
Desafios técnicos e participação social
Para o arquiteto e urbanista Dilson Ferreira, professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), um dos maiores entraves da mobilidade em Maceió é a ausência de dados confiáveis sobre o sistema de transporte e a infraestrutura urbana.
“A cidade não possui levantamentos detalhados sobre capacidade das vias, gargalos de trânsito, fluxos de veículos ou pesquisas de origem e destino dos passageiros. Sem essas informações, qualquer planejamento é feito às cegas e aumenta o risco de erros que afetam diretamente a população”, avalia.
O especialista ressalta que a situação se agravou em bairros como Pinheiro, Farol, Bom Parto e Bebedouro devido à subsidência provocada pela exploração de sal-gema pela Braskem, que forçou a migração de milhares de famílias para a parte alta da cidade.
“Hoje, bairros como Clima Bom, Tabuleiro, Benedito Bentes e Cidade Universitária concentram cerca de 40% da população. No entanto, o transporte público e a rede viária não foram adaptados a essa nova realidade, ampliando desigualdades e dificultando o acesso a serviços, empregos e educação”, defende.
Para Dilson, a solução passa por uma abordagem integrada de planejamento urbano. “Não basta construir mais ciclovias ou aumentar a frota de ônibus. É preciso organizar o trânsito, planejar corredores de transporte coletivo, integrar modais, padronizar calçadas e garantir acessibilidade em todos os pontos da cidade.”
O professor enfatiza que calçadas continuam sendo um problema crítico: “Elas são tratadas como propriedade do lote, cheias de barreiras como árvores, postes, lixeiras e desníveis. Mesmo quando a Prefeitura faz obras, elas não são integradas entre secretarias, e a manutenção é irregular. Isso restringe a mobilidade de pedestres e pessoas com deficiência.”
Ferreira também destaca a importância de modais alternativos. “O plano poderia incentivar a bicicleta como transporte diário, organizar transporte hidroviário na Lagoa Mundaú, avaliar VLTs ou corredores rápidos de ônibus. Essas soluções diminuem a dependência de veículos particulares, reduzem acidentes e impactos ambientais, e contribuem para uma cidade mais equilibrada.”
Para o especialista, a participação social é um componente central do PlanMobi. “Não é falta de instrumentos legais — temos audiências públicas, conselhos municipais, conferências de cidades e ferramentas digitais de participação. O desafio é efetivamente mobilizar a população e garantir transparência.”
“Isso exige educação urbana: a sociedade precisa entender que o planejamento urbano é responsabilidade de todos e que sua voz pode transformar a cidade”, pondera.
Ferreira lembra que Maceió tem referências de sucesso para se inspirar. “Cidades como Porto Alegre, Medellín, Barcelona e várias capitais brasileiras já implementaram mecanismos de participação cidadã que mudaram a realidade urbana. O que falta em Maceió é compromisso com a execução, não ideias.”
PlanMobi: o que está previsto para a mobilidade em Maceió
O Plano de Mobilidade Urbana de Maceió (PlanMobi), atualmente em fase de elaboração, reúne uma série de propostas que buscam transformar a experiência de deslocamento na capital alagoana.
Segundo informações do Estadão, o projeto combina obras estruturais, requalificação do transporte coletivo e incentivos à mobilidade ativa, com foco em ampliar a acessibilidade e a segurança de pedestres, ciclistas e usuários de ônibus.
Uma das principais metas é expandir a malha cicloviária, que deve saltar dos atuais 30 quilômetros para mais de 96. A expectativa é que a bicicleta deixe de ser vista apenas como opção de lazer e ganhe força como meio de transporte no dia a dia.
Outra promessa é a implantação do BRT Maceió, sistema de transporte coletivo de maior capacidade e rapidez. O modelo prevê 14 quilômetros de corredor exclusivo, 23 estações de embarque e desembarque e 310 veículos com ar-condicionado, o que pode reduzir o tempo de viagem e melhorar o conforto dos passageiros.
Também fazem parte do plano a reforma de terminais de ônibus, a instalação de 646 novos abrigos e a criação de 14,89 quilômetros de faixas verdes, áreas adaptadas para circulação de pedestres e pessoas com deficiência. Essas medidas se somam à intenção de reorganizar o sistema de transporte, tornando-o mais eficiente e acessível.
O documento não se limita a novos investimentos: ele também inclui programas já em andamento. Entre eles, o Passe Livre Estudantil, que proporcionou uma economia de R$ 62 milhões a alunos da rede pública, e a iniciativa “Domingo é Livre”, que já ultrapassou a marca de 8 milhões de embarques gratuitos no transporte coletivo.
Com esse conjunto de ações, o PlanMobi se apresenta como uma oportunidade de redesenhar a mobilidade urbana da capital, equilibrando medidas de curto prazo com projetos de maior impacto estrutural. A execução, no entanto, dependerá de prazos, investimentos e da continuidade das políticas ao longo dos próximos anos.
A cidade que os moradores querem
As propostas do Plano de Mobilidade Urbana (PMU) de Maceió despertam esperança, mas também desconfiança. Ivan cobra mais escuta: “O primeiro passo é ouvir quem se desloca de bike todo dia. Se a cidade continuar ignorando isso, nada vai mudar.”
Larissa aponta o impacto que um transporte eficiente poderia trazer. “Se os ônibus fossem rápidos, acessíveis e seguros, diminuiria o uso de carros, o trânsito e a poluição. Isso significaria mais tempo livre, menos estresse e mais qualidade de vida.”
Paula reforça que sem acessibilidade não há inclusão. “O plano precisa eliminar barreiras arquitetônicas e garantir manutenção. Caso contrário, vai ficar só no discurso.”
O que diz a Prefeitura
A Prefeitura de Maceió afirma que o plano ainda está em fase inicial de elaboração, com pesquisas de campo e diagnósticos em andamento. Segundo a gestão municipal, a proposta é integrar transporte, inclusão social e sustentabilidade.
“O compromisso é valorizar o transporte coletivo, incentivar os modos ativos como bicicleta e caminhada, além de reduzir impactos ambientais”, destacou.
Sobre prioridades e metas, a Prefeitura garante que elas serão definidas a partir do processo participativo com a sociedade. “Não há lista fechada. O plano será construído coletivamente, com base em indicadores técnicos e nas demandas reais da população.”
A Prefeitura também promete transparência e participação popular. Estão previstas audiências públicas, presenciais e online, além da definição de indicadores de monitoramento das ações.
*Estagiário sob supervisão da editoria