O estudante de jornalismo Vinicius Calheiros, de 23 anos, morador do bairro Murilópolis, em Maceió, convive com a dificuldade de equilibrar a renda curta com as demandas do dia a dia. Ele se organiza a partir do limite do cartão de crédito e do valor da bolsa de estágio, mas admite que muitas vezes o planejamento não funciona.

“Vou me baseando no limite do meu cartão, o valor que eu ganho, e o que eu posso gastar. Nem sempre sai como esperado, pois a falta de educação financeira faz a gente agir por impulso muitas vezes, por estar cansado demais e gastar com algo prazeroso como auto recompensa”, relata.
Para Vinicius, pagar as contas sempre vem em primeiro lugar, mas sobra pouco espaço para investir em sonhos. Em meses mais apertados, o estudante recorre a bicos e trabalhos de freelancer.
“É como uma grande onda que a gente precisa surfar sem aula. Muitas vezes o jeito é pegar trabalhos fora da área só para conseguir fechar o mês”, diz.
O estudante lembra que já enfrentou momentos de inadimplência. “É uma sensação horrível querer pagar e não conseguir. A gente fica meio desesperado, pensa em pedir empréstimo para um conhecido e, quando não tem jeito, para o banco. Mas aí vem os juros abusivos que só aumentam o problema”, afirma.
Orçamento apertado e escolhas difíceis
A social media Rafaela Barbosa, de 25 anos, moradora do Jacintinho, também da capital alagoana, tem uma rotina semelhante. Ela organiza seu orçamento todo fim de mês, listando as contas obrigatórias, básicas e eventuais gastos extras.

“Geralmente dou mais prioridade às minhas contas obrigatórias, como plano de saúde e fatura do cartão. Depois separo o que preciso para despesas básicas. Os supérfluos ficam por último, só gasto se realmente sobrar”, explica.
Ainda assim, Rafaela também enfrenta os imprevistos. Ela conta que a maior dificuldade ainda é não ter atingido uma renda confortável. Ela lembra que já ficou devendo e não conseguiu pagar.
“Me senti incompetente e desorganizada. A gente se cobra muito nesses momentos, mas também entende que alguns meses podem ser mais difíceis mesmo”, conta.
Para Rafaela, os jovens de hoje vivem uma relação mais intensa com o dinheiro do que as gerações anteriores.
“Alguns são bem organizados, outros já têm uma postura de ‘só se vive uma vez’. Mas o que diferencia mesmo é o custo de vida, que hoje é muito alto. Precisamos de muita consciência e conhecimento financeiro para seguir em frente”, avalia.
Jovens mais conscientes, mas ainda vulneráveis
Uma pesquisa recente da Serasa Experience, realizada com 2.923 jovens de 18 a 29 anos em todo o Brasil, incluindo recorte para o Nordeste, mostra que 59,3% já administram seus próprios gastos mensais e 35,6% ajudam nas contas de casa.
Entre as principais metas financeiras dessa geração estão a compra de bens como casa ou carro (46,8%), investimentos (32,6%) e pagamento de contas básicas (31,7%).
Apesar do esforço, o endividamento ainda preocupa. Mais da metade dos jovens nordestinos (55,2%) afirmam que cresceram em ambientes instáveis e aprenderam a buscar estabilidade financeira, adotando novos hábitos e investindo em educação financeira.
A economista Luciana Caetano avalia que a explicação para o maior número de negociações entre a geração mais jovem está diretamente ligada às transformações no mercado de trabalho.
“Minha tese é que o percentual maior de negociação está concentrado na população de 18 a 29 anos porque essa população está mais endividada. E maior endividamento para esse grupo se explica pela natureza das novas ocupações no mercado de trabalho”, explica.
Além disso, a especialista destaca que houve uma mudança profunda na estrutura produtiva, culminando em vínculos temporários, alguns, com ocupações de tempo parcial e a quase totalidade sem filiação sindical.
“Essa precarização do trabalho se reflete em baixo rendimento e/ou fluxos irregulares de renda, mais comum para essa geração de 18 a 29 anos”, completa.
Segundo a economista, os acordos de renegociação são fundamentais para o funcionamento da economia local. “Os acordos de renegociação são imprescindíveis para fazer o dinheiro circular novamente, injetando capital nas empresas e capacitando o consumidor a retornar ao mercado fazendo uso do crédito”, ressalta.
Para Caetano, os mercados são fortemente impulsionados pelo crédito. “Se o consumidor fica incapacitado de utilizá-lo, o mercado desacelera e todo mundo perde, inclusive o Estado, cuja arrecadação incide sobre o consumo e a renda”, acrescenta.
Luciana também destaca a importância da educação financeira nesse cenário. Para ela, o termo mais adequado seria “educação financeira”, e não “cultura financeira”. Segundo a especialista, a oferta de plataformas acessíveis e regras claras para o consumidor é, de fato, uma ferramenta relevante nesse processo.
No entanto, ela ressalta que o primeiro passo deveria vir do exemplo dentro de casa, com os pais orientando seus filhos. Em seguida, defende a inclusão da educação financeira nos conteúdos pedagógicos, desde o ensino fundamental, como forma de preparar as novas gerações para lidar de maneira mais consciente com o dinheiro.
A economista avalia que o ensino da boa gestão da renda é uma ferramenta essencial não apenas para organizar as finanças pessoais, mas também para preparar jovens para o mercado de trabalho. Segundo ela, muitos começam a trabalhar ainda aos 14 anos sem qualquer noção de como administrar o que ganham.
”Outros vão se tornar empreendedores individuais, especialmente nesse momento histórico em que o emprego com carteira assinada vem sendo substituído pela pejotização”, observa. Para Luciana, é preciso formar a nova geração para lidar com desafios cada vez mais complexos. “O emprego tradicional e a filiação sindical estão em declínio.”
Ao tratar do impacto da inadimplência no desenvolvimento do estado, a economista faz uma análise comparativa. “Em 2024, Alagoas registrou uma renda média do trabalho equivalente a 74,6% da renda média nacional e 60% da renda média do estado de São Paulo. E já foi pior.”
Na avaliação dela, essa diferença de renda pesa mais do que a inadimplência em si, embora uma esteja ligada à outra. Caetano explica que, com redes sociais, publicidade e facilidade de crédito, quem não tem educação financeira acaba mais vulnerável. “O indivíduo tende a cair na armadilha da inadimplência”, alerta.
Endividamento: vilão ou motor da economia?
A especialista acrescenta que a influência desse cenário sobre investimentos varia conforme o setor. “O setor de mineração não é afetado pela taxa de inadimplência do mercado local, tampouco os setores que não vendem a prazo. Em síntese, vejo pouca influência sobre novos investimentos.”
Caetano ainda enfatiza que o endividamento, isoladamente, não deve ser visto como algo negativo. “Pode parecer incompreensível, mas o mercado funciona bem com o endividamento. Aliás, o que mais atemoriza o mercado é a queda do endividamento.”
De acordo com ela, o comprometimento da renda futura gera segurança para as empresas credoras. O problema aparece, de fato, quando o endividamento se transforma em inadimplência elevada, comprometendo o fluxo de caixa.
“As empresas não estão preocupadas em reduzir o endividamento. Pelo contrário”, ressalta. “A compra parcelada vem com juros, e os atrasos com mais juros e multa. Quem sofre com o endividamento é o devedor que ultrapassou sua capacidade de pagar”, finaliza.
*Estagiária sob supervisão da editoria