O projeto desenvolvido pelo Ministério dos Transportes (MT), prevendo a suspensão da obrigatoriedade de frequentar autoescolas para obter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) nas categorias A (motocicletas) e B (veículos de passeio), vem causando polêmica e dividindo opiniões em todo o país há alguns dias, desde que foi anunciado pelo ministro Renan Filho.
O MT alega que a proposta é inspirada em práticas adotadas em países como Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Japão, Paraguai e Uruguai, onde os modelos de formação são mais flexíveis e centrados na autonomia do cidadão. Defende, ainda, que a mudança tornará o processo de obtenção da CNH mais acessível e menos burocrático, podendo reduzir seus altos custos (em torno de R$ 3 mil) em até 80%.
Por outro lado, especialistas e representantes da área de trânsito alertam para os riscos envolvendo a possível mudança, que vão desde o aumento no número de acidentes até o fechamento de autoescolas em todo o país, questionam os dados do MT e, por fim, apontam alternativas para reduzir custos para obtenção da CNH. O CadaMinuto conversou com dois desses representantes, em Alagoas.
“Retrocesso histórico”
O presidente do Sindicato dos Servidores do Departamento de Trânsito de Alagoas (Sinsdal-AL), Roberto Martins, se manifestou contra o fim da exigência de aulas práticas em autoescolas para a obtenção da CNH. Para ele, nenhuma autoescola é capaz de formar, sozinha, um condutor plenamente preparado, mas o período de experiência na direção é fundamental para a formação do motorista.
“Nenhuma autoescola prepara adequadamente o aluno para ser um condutor de fato. Todo motorista sabe que é a experiência prática na direção de um veículo, associada a uma postura defensiva, nos primeiros anos após a aquisição da habilitação, que possibilita a formação completa de qualquer motorista. Por isso defendemos que o período de experiência, chamado de ‘período de permissionário’, ao invés de um, seja ampliado para pelo menos três anos. Depois deste tempo, aí sim, haveria a concessão da CNH definitiva”, afirmou.
Ele destacou que as aulas práticas são essenciais e devem permanecer sob responsabilidade das autoescolas. “Por um veículo em funcionamento, colocá-lo para trafegar em via pública, passar marchas, realizar manobras de conversão, parada e estacionamento, no plano, aclives, declives, em vias urbanas e rurais, dia e noite, são habilidades essenciais para qualquer pessoa que deseje obter uma licença para conduzir um automóvel. Para segurança do aprendiz e das pessoas que estão em via pública, esse processo precisa ser de responsabilidade de uma autoescola”.
Martins classificou como “equivocada” a possibilidade de extinguir o curso prático obrigatório. “Pôr fim à obrigatoriedade do curso prático de direção veicular ministrado por uma autoescola é uma medida equivocada. O que estão propondo é ‘aprenda a dirigir com um amigo ou parente de qualquer jeito, em qualquer lugar’, sem veículo adaptado, sem a supervisão de um instrutor prático capacitado. Em nome de uma suposta economia. Isso é um retrocesso histórico”, criticou.
O presidente do Sinsdal-AL defendeu que a autoescola cumpra seu papel de fornecer o preparo básico e que o exame do Detran avalie a aptidão mínima do candidato. “Espera-se que a autoescola faça sua parte, que é dotar o aluno do preparo básico necessário para conduzir um veículo em via pública, e que o exame para obtenção da CNH, realizado pelo Detran, seja capaz de avaliar e certificar esta condição mínima de aptidão do futuro condutor”, disse.

Redução de horas-aula
Ele sugeriu ainda a redução da carga horária prática obrigatória e a melhoria na formação dos instrutores. “Atualmente, o aluno tem a obrigação legal de cursar 20 horas de direção veicular de 50 minutos cada. Para alguns é tempo insuficiente, e para a maioria dos aprendizes é uma carga enorme, extensa e desnecessária. A redução do curso prático obrigatório em 50%, ou seja, para 10 horas-aula, seria uma medida assertiva. Quem desejar ou carecer de mais horas, contrate por fora. A qualificação constante (formação continuada) destes instrutores de prática de direção é outra medida interessante”.
Sobre a parte teórica, Martins considera que a responsabilidade poderia ser transferida para os Detrans, com redução da carga horária. “A formação teórica dos condutores é o ponto central. Para as autoescolas isso é um problema, tanto financeiro como de gestão. Caberia aos Detrans assumirem a responsabilidade de ministrarem a formação teórica, em uma carga horária 50% menor. Setores do governo federal estão propondo a formação EAD, que é outro absurdo”, avaliou.
Ele lembrou a experiência da Escola Pública de Trânsito do Detran-AL, que funcionou nos anos 1990. “Temos mais de 30 mil condutores formados pela Escola Pública de Trânsito do Detran-AL (EPTRAN), que funcionou por 5 anos nos anos de 1990, que foi uma experiência fantástica. Este é o modelo ideal: aulas presenciais, gratuitas e de responsabilidade pública”.
Por fim, Martins afirmou que suas propostas poderiam reduzir pela metade o custo para o cidadão. “Todas essas medidas juntas reduziriam o custo financeiro atual, dos atuais R$ 3.000,00 para menos de R$ 1.500,00, sem abrirmos mão de uma formação básica de qualidade para concessão do direito de todos os brasileiros acima dos 18 anos de dirigir um veículo automotor”.
Questionamentos
Joseilton de Carvalho Benedito, presidente do Sindicato dos Centros de Formação de Condutores de Alagoas questiona a suposta redução de 80% no valor da CNH - com o fim da obrigatoriedade das aulas práticas - apontada pelo ministro Renan Filho, “mesmo porque ele não contempla as taxas cobradas pelos Detran´s, que correspondem de 40 a 50% do valor da CNH.”.
“Embora historicamente os CFC´s sempre tenham participado da elaboração de políticas públicas relacionadas ao processo de habilitação, não tivemos acesso à proposta que o Ministro diz possuir bem como aos estudos que embasariam suas ideias, mas dizer que as aulas de direção não reduzem as mortes no trânsito contraria todos os especialistas que já se manifestaram sobre o tema como, por exemplo, o Observatório Nacional de Segurança Viária”, prosseguiu o presidente.
Reconhecendo que existe muita burocracia para obtenção da CNH, assim como para funcionamento das autoescolas, Joseilton explica que, quem trabalha no processo de habilitação há anos sabe que isso se justifica pelo aumento no número de mortes decorrentes dos sinistros de trânsito: “A defesa do poder público contra esses sinistros é o aumento do rigor na formação de novos condutores de veículos automotores e isso acaba refletindo no preço”.
Ele também citou que, justamente pensando na parcela da sociedade que tem dificuldade no acesso a CNH, foi apresentada uma Lei ainda no ano de 2021 e sancionada pelo presidente Lula agora em 2025 (Lei 15.153), autorizando a utilização de recursos do Fundo Nacional de Segurança e Educação no Trânsito – FUNSET para financiar o processo de obtenção da CNH para os cidadãos inscritos no CadÚnico.
Impactos
Questionado sobre os principais impactos no setor de autoescolas, em Alagoas, caso o projeto seja implantado, Joseilton pontua que, uma vez que o projeto contempla a dispensa da formação teórica e disponibilização de vídeos didáticos pelo Youtube, isso implica necessariamente na demissão imediata de todos os instrutores de trânsito capacitados para as aulas teóricas.
“E muito embora ele justificasse que a manutenção dos exames justificaria a existência das autoescolas, isso não é verdade, pois os exames como são realizados hoje, não garantem a aprovação do aluno efetivamente capacitado. Informo que melhorias nos exames teóricos assim como práticos constavam como meta do CONTRAN desde 2021, na Resolução 870 do PNATRANS e mesmo que passados quatro anos, nunca foi promovida nenhuma modernização nesse sentido”, pontuou.
Para o representante dos CFCs de Alagoas, se os instrutores de trânsito puderem ministrar aulas sem vínculo com o CFC e, “ao que tudo indica, através de aplicativo tipo Uber, não daria para concorrer com o instrutor autônomo, então acredito que a medida implicaria no fechamento de todos os CFC´s, extinguindo a atividade no Estado”.
