“Estou exausta, às vezes dá vontade de chorar”, desabafa Delza Perovano, 46 anos, vendedora que mora no Cruzeiro do Sul, conjunto de Rio Largo, na Grande Maceió. Para ela, as mudanças nas linhas de ônibus para o Terminal Integrado do Eustáquio Gomes, na parte alta da capital, tornaram o dia a dia mais cansativo e arriscado.

“Tenho que sair de casa mais cedo porque o percurso aumentou. Para retornar, é outro transtorno, já que o Circular está sempre lotado. Estou me sentindo exausta”, diz.

O transporte público na parte alta de Maceió passou por alterações no início de outubro, quando seis linhas começaram a acessar o terminal. Entre elas estão as linhas 612 – Forene/Jatiúca e 615 – Forene/Mangabeiras, do Sistema Municipal de Transportes Urbanos (SMTU), do Departamento Municipal de Transporte e Trânsito (DMTT).

Além dessas, quatro linhas que atendem Rio Largo, município da Região Metropolitana, e que antes tinham ponto final na Forene, próximo à Ceasa — 001 (Circular Cruzeiro do Sul), 002 (Antônio Lins/Aeroporto), 003 (Jarbas Oiticica) e 004 (Rio Largo/Mata do Rolo) — agora encerram o trajeto no mesmo destino.

Passageiros enfrentam ônibus lotados e longas esperas

Para moradores do bairro Forene, na parte alta da capital, o impacto tem sido negativo. “Antes eu dependia de apenas dois ônibus para ir e voltar do trabalho. Hoje, preciso pegar até quatro ônibus para conseguir chegar”, relata a babá Daniela Barbosa da Silva, de 31 anos.

Ela explica que, na volta, os veículos já chegam lotados na Ponta Verde, e o trajeto até o Eustáquio Gomes é feito em pé. “Chegamos ao terminal sempre em pé, porque o pessoal do Eustáquio já ocupa os assentos. A mudança beneficiou eles, mas não trouxe nada para quem mora aqui”, afirma.

Os passageiros ouvidos pelo CadaMinuto confirmam que a superlotação virou um problema recorrente. A também moradora do Cruzeiro do Sul, Lindinalva Correia, de 47 anos, relata que a viagem que antes tinha saída rápida do terminal do Forene agora se estende por quase duas horas, dependendo do horário.

 

Trabalhadores usam ônibus em deslocamento na volta para casa – Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil/Arquivo

 

“Minha rotina ficou péssima, porque passo muito tempo dentro do ônibus e chego cansada no trabalho. Saio às 17h e chego no terminal por volta das 19h30 ou 20h. Às vezes, não tem ônibus disponível; se for lá, ou está lotado, ou temos que esperar o próximo, que só sai às 21h. Acabo chegando em casa às 21h15, uma noite cansativa”, conta Lindinalva.

“Antes, do terminal do Forene, o ônibus saía em cerca de 10 minutos, mas lá no terminal do Eustáquio isso não acontece. Costumo pegar a linha 612 – Forene/Jatiúca, mas está muito ruim pegar lá no terminal. Mesmo depois de mais de oito dias, ainda não me habituei. É muito ruim, péssimo. O trajeto está sempre muito lotado, realmente não dá”, acrescenta.

Na primeira segunda-feira após a mudança entrar em vigor, a moradora conta que os passageiros tentaram organizar um protesto, mas não tiveram sucesso. “Tentamos conversar com o prefeito de Rio Largo, mas também não conseguimos. Tentamos falar com alguém da Real [Alagoas], mas não tivemos apoio nenhum”, relata Lindinalva.

Em publicação no site da Prefeitura de Maceió, a DMTT informou que a mudança foi necessária para organizar a nova operação, que contou com a instalação de um abrigo de ônibus na praça do terminal e placas de proibição de estacionamento nas ruas próximas, garantindo a circulação dos veículos. 

Além disso, destaca que a linha 4013, Terminal Integrado do Eustáquio Gomes/Forene, teve seu atendimento ampliado para reforçar a operação. Mesmo assim, passageiros relatam que o acesso aos ônibus ainda exige atravessar vias perigosas e esperar por múltiplas integrações.

“É descaso total. Eles querem que a gente aceite as condições e pronto”, critica Delza. Daniela reforça que já buscaram ajuda, mas sem sucesso. “Falamos com várias pessoas, tentamos resolver, mas nada foi feito. É muito cansativo, e ainda temos que sair de casa bem cedo para conseguir pegar a integração”, lamenta.

Planejamento sem dados amplia desigualdades no transporte

Para o arquiteto e urbanista Dilson Ferreira, professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), o redesenho das linhas de ônibus e a definição de novos terminais, como o do Eustáquio Gomes, não podem ocorrer sem base técnica sólida. “Antes de alterar uma linha, é preciso ter dados de mobilidade. Mobilidade é uma ciência de dados”, afirma.

O docente explica que decisões desse tipo exigem informações detalhadas sobre origem e destino da população, horários de pico, quantidade de embarques e desembarques e fluxo de passageiros em cada ponto. “Não se pode mudar linhas ou pontos de ônibus sem dados. Sempre que isso acontece, quem paga o preço é a população”, reforça.

Segundo o especialista, o Terminal Integrado do Eustáquio Gomes está subdimensionado, o que ajuda a explicar as queixas de superlotação. “O terminal foi reformado, mas deveria ter sido projetado considerando a demanda atual e a futura. A cidade cresceu para essa região, com novos loteamentos e condomínios, e isso precisa estar no cálculo do dimensionamento”, explica. 

Para Ferreira, um terminal adequado deve levar em conta a demanda de passageiros por hora, número de ônibus simultâneos, tempo de permanência, linhas em operação e matrizes de origem e destino. “O correto seria ter sido projetado com possibilidade de expansão”, observa.

Ferreira destaca ainda que o Sistema Integrado de Mobilidade (SIM) de Maceió também opera com capacidade inferior à necessária. “Hoje, o sistema está subdimensionado. O edital original previa 679 ônibus, mas temos no máximo 500 rodando. Isso gera sobrecarga nas linhas e mais tempo de espera”, explica. 

Além da redução da frota, o arquiteto aponta a evasão de passageiros como outro desafio. “Com o serviço ineficiente, muitos acabam recorrendo a motos e transportes alternativos, o que reduz a arrecadação e força o poder público a subsidiar o sistema.”

 

Arquiteto e urbanista, Dilson Ferreira  – Foto: Reprodução 

 

Escuta pública e planejamento participativo são fundamentais

As reclamações dos usuários também evidenciam outro problema: a ausência de diálogo com as comunidades afetadas. Para o professor da Ufal, a participação popular é indispensável em processos de reestruturação do transporte coletivo. 

“Para definir um sistema de transporte, é preciso ouvir a população. Existem indicadores que medem satisfação do usuário, tempo de espera e qualidade do serviço, e tudo isso precisa ser acompanhado por meio de audiências públicas e pesquisas de origem e destino”, afirma.

Ferreira defende que o sistema deve ser avaliado constantemente, já que as cidades estão em transformação permanente. “A cidade é dinâmica. É preciso retroalimentar o sistema todos os dias, avaliando a operação das empresas e a satisfação dos passageiros.”

Ao analisar o crescimento urbano da parte alta de Maceió e de Rio Largo, o urbanista concorda com a percepção das passageiras que apontam a expansão desordenada da região. “A cidade cresceu muito. Mais de 60 mil pessoas foram deslocadas de seus bairros [após o desastre da Braskem] e se espalharam por novos conjuntos e municípios vizinhos, mas a demanda por ônibus continua baseada em um edital antigo”, alerta.

Com frota reduzida, aumento da demanda e planejamento defasado, o cenário atual, segundo ele, é de colapso financeiro e operacional. “Hoje o sistema é deficitário e acaba expulsando o passageiro, em vez de atraí-lo. Por isso, defendo a tarifa zero como caminho para recuperar o transporte público e o direito à mobilidade”, finaliza.

Outro lado 

A reportagem entrou em contato com o DMTT, questionando sobre superlotação, atrasos, redistribuição das linhas e a capacidade do terminal para atender ao aumento de passageiros em Maceió e Rio Largo. Até o fechamento, o departamento não se pronunciou. O espaço segue aberto para atualização caso a pasta municipal se manifeste.

Foto de capa: Ascom/DMTT

*Colaborou Laura Gomes