“O carro elétrico é uma realidade que veio para ficar.” A frase do deputado Bruno Toledo (MDB) traduz a ideia central do Projeto de Lei nº 1.572/2025, aprovado pela Assembleia Legislativa de Alagoas (ALE) no dia 23 de outubro.

De autoria do parlamentar, a proposta regulamenta a instalação, manutenção e uso de pontos de recarga para veículos elétricos em condomínios residenciais e comerciais do estado.

O texto, que agora segue para sanção do governador Paulo Dantas (MDB), coloca Alagoas entre os estados pioneiros na criação de normas voltadas à infraestrutura de recarga, um passo considerado importante para a transição energética e o avanço da mobilidade sustentável no Brasil.

A nova legislação assegura ao condômino o direito de instalar o ponto de recarga em sua própria vaga de garagem, desde que ela esteja vinculada à unidade habitacional e que o consumo de energia seja medido individualmente, custeado exclusivamente pelo morador interessado. 

O projeto também autoriza os condomínios a implantarem terminais coletivos de carregamento, desde que sejam definidos sistemas de rateio ou cobrança individual, respeitando o regimento interno e a convenção condominial.

Um dos principais pontos da lei é a proibição de que os condomínios impeçam a instalação dos equipamentos, desde que sejam observadas todas as exigências técnicas e legais.

“Este projeto responde a uma demanda crescente por mobilidade sustentável. Ele elimina barreiras burocráticas e incentiva o uso de veículos elétricos, ao mesmo tempo, em que garante segurança técnica e equilíbrio entre os direitos individuais e coletivos nos condomínios”, destaca o deputado.

Bruno Toledo está em seu terceiro mandato como deputado na Assembleia Legislativa. Foto: Divulgação

 

O texto também considera a realidade de prédios antigos, que podem exigir intervenções elétricas para suportar a carga dos novos equipamentos. O parlamentar lembrou que já existem tecnologias capazes de gerenciar o fluxo de energia entre múltiplos carregadores, evitando sobrecarga no sistema.

“Há equipamentos que distribuem a energia de forma inteligente, criando uma espécie de fila entre os carregadores. Isso garante que o uso simultâneo não sobrecarregue a rede elétrica. A tecnologia está aí para viabilizar essas soluções de forma segura e eficiente”, explica.

O empresário e usuário de carro elétrico, Becker Litrento, ressalta que a possibilidade de instalar o próprio ponto de recarga traz liberdade e economia aos moradores.

 Becker Litrento atua no setor de energia e é especialista em análise e implementação de infraestrutura para carregadores veiculares. Foto: Arquivo pessoal

 

“Ter um ponto individual de recarga significa poder carregar o carro em qualquer horário, pagando o mesmo valor do quilowatt da tarifa residencial. Isso torna o uso do veículo elétrico mais acessível e conveniente”, afirma.

Embora o entusiasmo seja evidente, Becker menciona a necessidade de maior conscientização e de um planejamento técnico mais estruturado nos condomínios.

“É necessário estudar a viabilidade técnica e financeira, escolher equipamentos de qualidade e contar com profissionais qualificados. Ainda é um processo de aprendizado coletivo”, acrescenta.

Avanços e riscos

O advogado e especialista em direito condominial e presidente da Comissão de Direito Condominial da OAB, Francisco Vasco, considera que a lei é um avanço importante, mas traz impactos diretos na autonomia dos condomínios e abre espaço para conflitos jurídicos e interpretativos.

Segundo o especialista, o projeto reconhece ao proprietário o direito de instalar o ponto de recarga em sua vaga, desde que atenda a requisitos técnicos e de segurança, mas isso não torna o direito absoluto.

 Advogado Francisco Vasco. Foto: Divulgação

 

Vasco explica que o texto reduz sensivelmente o poder de veto genérico da assembleia, já que não é mais possível barrar a instalação “por princípio” ou apenas por meio de uma cláusula proibitiva na convenção. Segundo ele, isso não significa que o direito seja absoluto. 

“O texto condiciona o exercício do direito ao atendimento de parâmetros técnicos, à capacidade elétrica disponível e à segurança. A própria lei prevê que, havendo risco ou necessidade de reforço na infraestrutura comum, o condomínio pode exigir adequações prévias antes de autorizar a instalação”, destaca.

Para o advogado, esse novo cenário tensiona a autonomia condominial prevista no Código Civil, já que transfere parte das decisões tradicionais da assembleia para o plano legal, o que pode gerar judicialização.

O que síndicos devem adotar?

Sobre os cuidados antes da autorização, o especialista alerta que o síndico deve adotar um protocolo técnico-jurídico rigoroso. “O primeiro cuidado é procedimental, sendo necessário instituir um protocolo de requerimento com checklist técnico-jurídico (projeto assinado por engenheiro eletricista com ART, memorial descritivo).”

Além disso, o especialista menciona a “especificação do carregador, trajetória de dutos e cabos, quadro de entrada/unidade, itens de proteção, análise de capacidade do ramal/prumada e da área comum, plano de mitigação de riscos, e comprovação de medição individual. Sem isso, a autorização é temerária e pode gerar responsabilidade do condomínio”. 

“Em prédios antigos, é indispensável estudo de capacidade e segurança (avaliação do quadro geral, alimentadores, barramentos, queda de tensão, sistema de proteção contra surtos, SPDA, ventilação do local, rota de cabos, compatibilidade com normas e possíveis interferências nas áreas comuns)”, orienta.

Vasco acrescenta que, em caso de danos ou acidentes, a responsabilidade principal recai sobre o morador que contratou o serviço, mas o condomínio também pode responder se agir com negligência.

O advogado ainda explica que o texto atribui ao condômino instalador a responsabilidade pelos custos de instalação, manutenção, operação e consumo, incluindo eventuais reparações por danos causados ao condomínio ou a terceiros. 

Segundo ele, isso cria um vetor claro de responsabilização primária do morador pela sua estação individual, enquanto o profissional responsável responde civil e tecnicamente por vícios do projeto ou da execução, o que abre caminho para denunciação à lide ou ação regressiva.

“O condomínio, entretanto, não fica imune. Ele responde quando há culpa in eligendo ou in vigilando, como autorizar sem projeto, sem ART, sem laudo; ignorar parecer que aponta risco; ou deixar de fiscalizar condicionantes impostas. Também há responsabilidade quando o sinistro decorre de falhas na infraestrutura comum sob sua guarda”, completou.

Quanto ao rateio de energia em terminais coletivos, o advogado destaca que a lei permite cobrança por consumo individual, mas recomenda critérios bem definidos em assembleia, com sistema de medição auditável e regras claras sobre uso, valores e penalidades.

“Contudo, isso não dispensa a necessidade de regulamentação interna. O ideal é que, para compatibilizar o novo direito com a segurança, a igualdade de acesso e a sustentabilidade financeira, se atualize a convenção/regimento para disciplinar fluxo de aprovação, padrões técnicos mínimos, inspeções, fila/balanceamento, cobrança, penalidades, seguro e suspensão em caso de risco”, frisou.

Por fim, o advogado enfatiza que, embora a lei prevaleça sobre convenções que proíbam a recarga, os condomínios precisarão atualizar seus regimentos e convenções para disciplinar o novo direito.

O especialista ponderou que um ponto de reflexão importante surge quando o estudo de carga demonstra que não há número suficiente de tomadas para todos os condôminos. 

Segundo Vasco, a lei não esclarece como essa situação deve ser resolvida, o que levanta dúvidas sobre a existência de uma possível ordem de prioridade e sobre quem seria responsável por defini-la.

“Para mim, é claro que essa definição deve necessariamente passar pela assembleia, que deve estabelecer critérios transparentes e equitativos, seja por ordem de chegada, sorteio ou outro método aprovado coletivamente”, afirmou.

Ele também faz um alerta sobre um ponto delicado da norma, a possibilidade de o condômino antecipar obras comuns e depois ser ressarcido.

“Sem critérios rigorosos de orçamentação, três cotações, fiscalização e teto de gastos, abre-se risco de socialização indevida de custos e de controversas perícias sobre o que seria ‘investimento devidamente comprovado’”, acrescenta. 

O advogado destaca que uma “saída é positivar esses critérios em assembleia, antes dos primeiros pedidos, para que a inovação venha acompanhada de segurança jurídica e transparência.”

Mobilidade sustentável

Bruno Toledo, que desde 2016 defende incentivos fiscais para veículos elétricos, como a redução do IPVA para automóveis elétricos e híbridos, acredita que a nova lei será mais um passo para consolidar políticas de transição energética em Alagoas.

“O carro elétrico é uma realidade que veio para ficar. Precisamos agora avançar em medidas complementares, como incentivos à fabricação e à redução de custos de peças e manutenção, para democratizar o acesso a essa tecnologia”, disse o parlamentar.

A expectativa é de que, nos próximos anos, os carregadores elétricos em garagens residenciais se tornem tão comuns quanto, um dia, foi a instalação dos elevadores nos prédios, como comparou o próprio deputado.

“No início, os elevadores causavam espanto. Hoje, são indispensáveis. Acredito que o mesmo acontecerá com os pontos de recarga: logo farão parte do cotidiano dos alagoanos”, finaliza.

 

*Estagiário sob supervisão da editoria