Alagoas contabiliza 5.477 pessoas vivendo em uniões homoafetivas, segundo dados do Censo do IBGE. O número, ainda discreto diante do total da população, revela um retrato crescente da diversidade familiar no estado. 

Embora representem 0,6% das uniões estáveis, essas relações mostram uma predominância feminina: são 3.267 mulheres vivendo com parceiras, contra 2.572 homens em uniões entre pessoas do mesmo sexo.

Para compreender os avanços e desafios, o CadaMinuto ouviu um casal que preferiu não se identificar e também o ativista Roniel Rodrigues, que analisou o cenário de aceitação, direitos e obstáculos enfrentados pela comunidade LGBTQIA+ em Alagoas.

Desafios e avanços das famílias LGBTQIA+ em AL

O ativista e educador Roniel Rodrigues, reconhece que ainda há muito preconceito a superar, mas destaca avanços, desafios e expectativas para as transformações sociais dos próximos anos.

 


Questionado sobre o que os dados recentes revelam sobre o processo de aceitação social das famílias LGBTQIA+ em Alagoas e no Nordeste, Roniel foi enfático ao afirmar que apesar dos avanços em políticas públicas e da maior visibilidade da comunidade, a realidade ainda é dura.

“Mesmo diante dos chamados ‘avanços’, é nítido e noticiado diariamente que a violência contra a comunidade LGBTQIAPN+ persiste. A não aceitação familiar e religiosa ainda impede que muitos casais homoafetivos formalizem seus relacionamentos. Muitos vivem no anonimato para evitar constrangimentos e desrespeitos em espaços públicos”, destaca.

Medo, cautela e silêncio: a rotina de muitos casais

Apesar do avanço na coleta e divulgação desses dados, a realidade cotidiana de muitos casais ainda envolve discriminação e insegurança. Um casal homoafetivo que vive junto há três anos, e que preferiu não se identificar, afirma que a decisão de não tornar pública a relação é uma forma de proteção.

“Ficamos felizes de ver que muita gente está conseguindo se assumir nos dados oficiais, porque isso mostra que as coisas estão mudando. Mas, para nós, ainda não é simples. Temos medo de retaliações no trabalho e até dentro da família”, conta um dos parceiros.

O outro complementa. “Vivemos nossa vida normalmente dentro de casa, mas em público evitamos demonstrações de carinho. Às vezes, é cansativo ter que pensar em cada gesto, em cada palavra, mas é a forma que encontramos para manter a paz. Ainda não sentimos que é totalmente seguro”.

Para ele, o preconceito ainda está enraizado nas estruturas sociais e institucionais, o que reforça a necessidade de políticas de acolhimento e respeito à diversidade.

Políticas públicas e inclusão

Roniel defende que os governos estaduais e municipais precisam avançar em medidas concretas que garantam inclusão, proteção e respeito às famílias homoafetivas. Ele cita exemplos de legislações e práticas que poderiam servir de modelo, mas que, segundo ele, ainda carecem de fiscalização e efetividade.

“Em Maceió, desde 2015 existe uma lei que garante aos casais LGBTs o direito de acesso a programas sociais, como o Minha Casa, Minha Vida. No entanto, o que vemos é uma falta de acompanhamento do poder público. Não há fiscalização para garantir que esses direitos sejam realmente cumpridos”, explica.

O ativista também enfatiza a importância de reconhecer direitos fundamentais, como adoção, herança e benefícios sociais, lembrando que em outubro de 2025 o Tribunal de Justiça de Alagoas discutiu casos de discriminação envolvendo casais homoafetivos que tentavam adotar crianças.

“É essencial desburocratizar esses processos. O Conselho Municipal LGBT de Maceió tem se posicionado fortemente sobre isso, e é nesse tipo de debate que conseguimos pressionar por mudanças reais”, reforça.

Na área da educação, Roniel, que também atua como professor, defende uma abordagem mais inclusiva nas escolas.

“Trabalho o conceito de família para além do que está nos livros didáticos. Por isso, deixamos de celebrar o ‘Dia dos Pais’ e o ‘Dia das Mães’ para trabalhar o Dia da Família, mostrando às crianças que existem famílias diversas e todas merecem respeito.”

O ativista também destaca a necessidade de uma saúde integral e inclusiva, com profissionais capacitados para atender à comunidade LGBTQIAPN+, além da ampliação de delegacias especializadas fora da capital alagoana para combater a violência.

“Precisamos de delegacias específicas também no interior, não apenas em Maceió. A violência não está restrita à capital”, alerta.

Sobre o papel da participação social, Roniel lembrou da 4ª Conferência Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, realizada em Brasília em 2025. Ele ressaltou que espaços como esse são fundamentais para a construção de políticas públicas efetivas.

“Foi nesses espaços que conseguimos conquistas importantes, como o reconhecimento do casamento homoafetivo. A presença da comunidade nesses debates é o que garante fiscalização e avanço nas pautas nos níveis municipal, estadual e federal”, argumenta.

Ao falar sobre o que espera para os próximos anos, o ativista demonstra esperança, mas também senso de urgência. Para ele, os dados do IBGE e outros levantamentos sobre a população LGBTQIAPN+ devem servir como base para novas políticas e ações sociais.

“Esses dados são fundamentais para lutar pelos nossos direitos. Precisamos ampliar políticas públicas, realizar audiências e até promover casamentos coletivos gratuitos para casais homoafetivos. Isso significaria respeito à união estável e ao amor dessas pessoas perante a lei e a sociedade”, acrescenta. 

Com uma trajetória marcada pela militância e pela educação, Roniel Rodrigues segue como uma das vozes mais ativas da luta pela diversidade em Alagoas — defendendo que a transformação social começa pelo reconhecimento e pelo respeito às diferentes formas de amar e existir.