“A ausência de certeza científica não pode ser usada como desculpa para não agir.” A frase do procurador da República Lucas Horta resume a postura do Ministério Público Federal (MPF) diante dos impactos ambientais causados pelas obras de duplicação da rodovia AL-101 Norte, em Alagoas. 

Após a morte de três filhotes de peixe-boi-marinho, ocorrida em janeiro deste ano na região do Litoral Norte de Maceió, o MPF reuniu representantes dos principais órgãos ambientais do estado para cobrar providências.

 

Animais eram recém-nascidos e foram recolhidos para necropsia. Foto: Ascom Instituto Biota

 

De acordo com relatório técnico do ICMBio, há forte correlação temporal entre as mortes dos animais e as obras, principalmente pela utilização da técnica de Jet Grouting, usada na estabilização do solo. O método provoca intensas vibrações e ruídos, que podem ter causado a fuga abrupta das mães, deixando os filhotes desprotegidos e resultando no encalhe dos animais.

O peixe-boi-marinho (Trichechus manatus) é considerado uma espécie em risco de extinção e símbolo da conservação ambiental na Área de Proteção Ambiental da Costa dos Corais (APA da Costa dos Corais). A população em Alagoas representa o limite sul de distribuição da espécie e é fruto de mais de 30 anos de esforços de reintrodução.

Em resposta às preocupações ambientais relacionadas à obra, o Ministério Público Federal se reuniu na última segunda-feira (13), com representantes do ICMBio, IMA/AL e Setrand/AL e firmou um compromisso para criar um Protocolo de Monitoramento e Ação Preventiva. 

Esse protocolo será incluído na licença ambiental e visa controlar os impactos da obra, proteger a fauna marinha. Entre as medidas estão o monitoramento prévio da fauna, o uso de métodos que reduzam vibrações e ruídos, e o compartilhamento do cronograma da obra com os órgãos ambientais para evitar interferências em períodos críticos.

Embora até o momento não haja comprovação direta de que as obras causaram as mortes dos filhotes, o MPF instaurou um inquérito civil com foco preventivo. 

 

Procurador da República Lucas Hora - Foto: Ascom MPF/AL

 

Lucas Horta explicou que, no direito ambiental, o princípio da precaução exige ações imediatas mesmo diante da incerteza científica. “Em se tratando de meio ambiente, a ausência de certeza científica não pode ser utilizada como fundamento para não agir”, afirmou.

No entanto, o procurador não descarta responsabilizações futuras, caso possam surgir provas de omissão ou falhas no cumprimento da licença ambiental.

O novo protocolo deverá ser apresentado pelo IMA até o dia 30 de outubro. Até essa data, poderão ser adotadas medidas adicionais, incluindo a possível revisão ou suspensão de trechos da obra.

O caso dos filhotes de peixe-boi pode estabelecer precedentes importantes para a imposição de novas exigências em licenciamentos ambientais de obras públicas realizadas em áreas sensíveis.

Questionado sobre essa possibilidade, o procurador Lucas Horta afirmou: “Com certeza pode. A adoção de novas providências por parte do MPF está em análise”, finalizou.

Projeto de Lei

Enquanto o MPF avança nas medidas de proteção ambiental, a Assembleia Legislativa de Alagoas aprovou, na última quarta-feira (15), em primeiro turno, o Projeto de Lei nº 310/2023, que institui o Dia Estadual de Conscientização e Preservação do Peixe-Boi. 

A data será celebrada na última quarta-feira de março, e o peixe-boi será oficialmente reconhecido como Patrimônio Imaterial do estado de Alagoas.

A proposta, de autoria do deputado Delegado Leonam (União Brasil), visa promover a educação ambiental, mobilizar a sociedade e valorizar a espécie, pois a presença dela no litoral alagoano é um dos principais indicadores da saúde do ecossistema marinho.

 

*Estagiário sob supervisão da editoria