Sem regras claras e com pouca formação docente, as escolas de Alagoas estão diante de um novo e complexo desafio pedagógico — lidar com a presença da inteligência artificial (IA) no cotidiano dos estudantes. 

A tecnologia, que se popularizou rapidamente, já é vista como uma ferramenta indispensável por muitos jovens e, ao mesmo tempo, como uma ameaça à autonomia intelectual e ao desenvolvimento do pensamento crítico.

Segundo a mais recente edição da pesquisa TIC Educação, divulgada no último dia 16 de setembro, pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), vinculado ao NIC.br, o uso de inteligência artificial já faz parte da rotina de grande parte dos estudantes brasileiros. 

O levantamento mostra que sete em cada dez alunos do ensino médio utilizam ferramentas de IA generativa em atividades escolares, especialmente em pesquisas e na produção de trabalhos.

O dado revela a velocidade com que a tecnologia foi incorporada ao ambiente educacional e expõe um desafio crescente, a falta de preparo das escolas para lidar com esse novo cenário. A maioria das instituições ainda não possui estratégias para orientar o uso ético e pedagógico das ferramentas digitais.

No Estado, a situação segue o mesmo padrão observado nacionalmente. Tanto nas redes pública quanto particular, aplicativos como o ChatGPT já são amplamente utilizados pelos estudantes — muitas vezes sem acompanhamento docente —, se tornando recursos recorrentes na realização de tarefas e deveres de casa.

No Colégio Monsenhor Luiz Barbosa, localizado no Centro, em Maceió, a supervisora pedagógica irmã Moniele Tomáz compara a ferramenta a um “novo Google” dos estudantes. “Eles copiam as respostas sem sequer editar, e isso acontece de forma geral, principalmente no Fundamental II, em praticamente todos os trabalhos e pesquisas”, conta. 

 

Irmã Moniele Tomáz, supervisora pedagógica – Foto: Arquivo Pessoal

 

Para Tomáz, a IA pode ser uma aliada importante no aprendizado, tornando o processo mais dinâmico, mas o risco está na perda da autonomia. “Os alunos gostam da facilidade de ter respostas rápidas, sem esforço. O preço disso é alto: a aprendizagem não se solidifica, e os estudantes se tornam apenas receptores passivos de informações”, alerta.

Na rede estadual, o professor Ricardo Oliveira, da Escola Santos Dumont, localizada em Rio Largo, na Grande Maceió, compartilha preocupação semelhante. Segundo ele, o uso excessivo da IA está afetando a capacidade de reflexão dos alunos. 

“O que predomina é a transcrição literal de conteúdos prontos. Esse uso sem reflexão limita o desenvolvimento cognitivo e o vocabulário. A tecnologia precisa ser equilibrada com a experiência humana. A magia do professor que tem vivência real, isso a IA não vai substituir”, afirma.

Como os estudantes encaram a IA

Entre os próprios estudantes, as opiniões se dividem. Luanna Laurentino, de 16 anos, aluna de uma escola pública no bairro Chã de Bebedouro, também na capital alagoana, confessa que prefere recorrer à IA do que ao Google para fazer suas pesquisas. 

“É mais prática e vai direto ao ponto. Mas, em algumas tarefas, acho que me faz pular etapas e não desenvolver certas habilidades”, diz. Ainda assim, ela reconhece os benefícios do uso moderado: “Ela foi crucial para minha aprovação em uma prova de intercâmbio”. 

Já Isabelle Angelo, de 17, estudante de uma escola particular no Benedito Bentes, parte alta da capital, vê a tecnologia apenas como apoio. “Uso quando tenho dúvida em alguma atividade ou para revisar um exercício. A IA ajuda, mas se usada de forma incorreta, prejudica o raciocínio e enfraquece o pensamento crítico.”

Apesar das diferentes percepções, há um ponto em comum entre alunos e professores, a ausência de orientação institucional. Nenhuma das escolas ouvidas pela reportagem possui regras específicas sobre o uso da inteligência artificial. 

O tema, quando aparece, é tratado de forma pontual ou em conversas informais. “Ainda não existem normas definidas, mas já está sendo discutido para o próximo ano, porque percebemos que os alunos recorrem quase exclusivamente ao ChatGPT, muitas vezes sem sequer ler o conteúdo”, revela irmã Moniele.

Desafio de ensinar a usar a IA de forma crítica e ética

Para o professor Gonzalo Enrique Abio Virsida, do Centro de Educação da Universidade Federal de Alagoas (Cedu/UFAL), a presença da inteligência artificial no ambiente escolar é inevitável e deve ser encarada de maneira crítica. 

“As tecnologias digitais são parte implícita da vida dos jovens. O celular é o instrumento de comunicação permanente para o estar virtual, interagir com colegas e, de passagem, realizar tarefas escolares ou aprender mais sobre algo quando necessário”, afirma.

Antes de responder às perguntas sobre o tema, Gonzalo relatou ter checado os dados originais do relatório do Cetic, citado como base da discussão. “Essa simples ação já é uma estratégia de checagem de dados que imagino que poucos jovens devam utilizar. Muitos confiam plenamente nos resultados gerados pelos chatbots, mas isso é perigoso”, observa.

Para o docente, o desafio central é criar condições reais para que as escolas consigam usar a IA de forma crítica e pedagógica. “Observe que ainda não temos normas para o uso da IA pelos professores. Elas estão sendo preparadas neste momento pelo Conselho Nacional de Educação (CNE)”, explica. 

Além da regulação, Virsida aponta para obstáculos estruturais. “Existe conectividade e acesso a dispositivos digitais na maioria das escolas? Os chatbots precisam de internet, e o uso da IA não deveria ser feito com os próprios celulares dos alunos, e sim com os computadores ou tablets da escola.”

O professor cita o exemplo de iniciativas da UFAL, como as ações do Núcleo de Excelência em Tecnologias Sociais (NEES), que trabalham com o conceito de “IA desplugada” — projetos que não dependem de conexão constante e ajudam professores a revisar redações ou planejar aulas. 

O especialista também destaca três frentes prioritárias para o uso responsável da IA na educação, a formação docente contínua, a definição de protocolos claros e a garantia de infraestrutura e conectividade. 

“Os casos internacionais bem-sucedidos, como o Plan Ceibal, no Uruguai, ou o One Laptop per Child (OLPC), do MIT, mostraram que não basta comprar equipamentos baratos. O investimento principal precisa estar na formação e na manutenção”, pontua.

Para o docente, o impacto da IA também deve transformar as formas de avaliação escolar. “Em tempos de IA, não se pode mais perguntar o mesmo que antes. Os alunos devem aprender ativamente, descobrir problemas, interagir e lidar com situações complexas. A própria IA pode ajudar a preparar avaliações melhores, diversificar planos de aula e explorar resultados de forma mais crítica”, explica.

 

Estudantes usam smartphones – Foto: Freepik

 

Leitura superficial e o “lixo virtual” como desafios da geração conectada

O professor chama atenção para o fenômeno do declínio da leitura concentrada. “Há uma crise generalizada na leitura de textos longos, livros, literatura. Não é de agora, mas o hábito de leitura atenta vem sendo substituído pelo rolar infinito do Instagram e do TikTok”, observa. 

Para ele, o desafio dos educadores é justamente reconquistar o interesse dos alunos pela reflexão e pela leitura crítica em meio à avalanche de informações triviais e falsas — um desafio agora ampliado pela inteligência artificial.

O especialista também faz um alerta sobre a autoria e os direitos digitais. “Se pedimos para uma IA gerar a imagem de um gatinho dançando no Marco dos Corais de Ponta Verde, precisamos refletir sobre a origem dessa imagem e seus direitos autorais. Esse exercício pode levar os alunos a conhecer bancos de imagens gratuitas, como Pexels e Unsplash.”

Gonzalo é categórico ao falar do perigo do uso “letárgico” da tecnologia: “Devemos evitar o uso acrítico dessas ferramentas poderosas, que também produzem erros — e chamá-los de ‘alucinações’ é apenas um eufemismo para falhas sistêmicas”.

Formação docente e equidade digital

A professora Isabel Muniz Lima, da Faculdade de Letras da Ufal (FALE-UFAL), doutora em Linguística, reforça que o principal gargalo está na formação dos professores. 

“A maioria das escolas continua atrasada em relação às práticas textuais que fazem parte do cotidiano dos estudantes. Os professores ainda estão lidando com o básico do letramento digital e, de repente, precisam entender e orientar sobre uma tecnologia de ponta como a IA generativa”, avalia.

Para Isabel, a discussão sobre o uso da IA na educação precisa mudar de foco. “Se o estudante já está usando IA generativa, precisamos urgentemente migrar o debate do ‘se deve usar’ para o ‘como usar de forma crítica e ética’.” 

A docente lembra que a tecnologia pode ser uma aliada, desde que o estudante não abra mão de seu papel ativo na aprendizagem. “Se usada sem criticidade, a IA pode atrofiar o pensamento analítico e a capacidade de interpretação. Mas se usada de modo orientado, pode contribuir na revisão de textos e na elaboração de ideias.”

A professora também chama atenção para o risco de ampliação das desigualdades. “Sem políticas públicas voltadas à equidade de acesso, a IA pode se tornar vetor da desigualdade. É essencial investir em conectividade e formação continuada de professores da rede pública. Caso contrário, o abismo entre quem usa a IA para potencializar o conhecimento e quem a usa apenas para mascarar a falta dele será drasticamente ampliado.”

Futuro já chegou, mas ainda falta preparo para acompanhá-lo

No Estado, a realidade mostra que os estudantes já abraçaram as novas ferramentas tecnológicas, mas as escolas ainda caminham atrás. Professores e gestores tentam equilibrar entusiasmo e preocupação, entre o desejo de inovação e o medo de perder o protagonismo da aprendizagem.

Como resume o professor Gonzalo Abio, o papel do educador precisa ser repensado diante da revolução digital. O especialista destaca que a inteligência artificial não deve vir para criar mais trabalho, mas para poupar o professor das tarefas corriqueiras. 

Ainda sobre o tema, o especialista destaca que a inteligência artificial pode ser uma aliada valiosa na rotina docente, especialmente em tarefas repetitivas, como a elaboração e correção de avaliações. 

Para ele, o maior potencial da tecnologia está justamente em liberar o professor das atividades mecânicas, permitindo que ele dedique mais tempo a estimular a curiosidade, o pensamento crítico e o aprendizado significativo dos alunos. “A inteligência artificial já está nas mãos dos estudantes, o que precisamos agora é garantir que ela não substitua a mente deles", finaliza. 

Foto de capa: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

*Estagiária sob supervisão da editoria