Ser um grande músico não é, necessariamente, garantia de fama ou de sucesso econômico. Seja por escolha própria ou pelas circunstâncias da vida, muitas vezes o músico precisa levar uma vida comum, conciliando trabalho, família e estudos, enquanto, paralelamente, mantém sua trajetória musical.
Para falar mais sobre o assunto, o CadaMinuto conversou com o multi-instrumentista Charles Nunes, músico alagoano, casado, pai de quatro filhos, serralheiro e especialista em portões de alumínio, que faz da música uma verdadeira vocação.
Charles conta que vem de uma família de músicos que sempre se dividiram entre as responsabilidades cotidianas de todo pai de família e o dom da música. Afinal, é assim que ele define a música em sua vida: um dom de Deus. Estimulado pela família, desde pequeno aprendeu a tocar teclado, violão, guitarra, sanfona, contrabaixo e bateria — habilidades que poderiam tê-lo levado à fama e a grandes retornos financeiros. No entanto, o músico relata com orgulho: “Eu escolhi minha família.”

Essa escolha é significativa. Todos sabem o nível de dedicação que músicos profissionais precisam ter para viver exclusivamente da música: viagens longas, muitas vezes, meses longe da família, noites de sono perdidas, perigos nas estradas... tudo isso tem influência sobre a decisão de seguir a carreira musical. Logo, não basta ter talento; é preciso reorganizar toda a vida para viver como um artista famoso.
Hoje, Charles Nunes mantém uma pequena banda de forró pé de serra chamada Três no Xote, na qual atua como sanfoneiro, apresentando-se em festas particulares, bares e restaurantes da capital alagoana. Além disso, ao lado da esposa, Isadora Nunes, toca e canta em missas da Igreja Católica.

Apesar de obter algum retorno financeiro com a música, Charles afirma que não é algo significativo. Continua tocando simplesmente pelo amor à arte e pela crença de que a música tem o poder de curar as pessoas.
A trajetória de Charles é semelhante à de tantos músicos e artistas pelo Brasil, especialmente em Alagoas, celeiro de expressões populares. Muitos não fazem arte pelo dinheiro, mas porque a arte corre em suas veias. Sua história mostra que, para inúmeros músicos, a música não é um meio de enriquecimento financeiro, mas sim de desenvolvimento pessoal e enriquecimento cultural.

A íntegra da entrevista com o músico alagoano Charles Nunes você confere logo abaixo.
Desde quando você é envolvido com música e como você desenvolveu suas experiências musicais?
Minha introdução na música foi pelo meu pai, que era marceneiro e hoje mudou de profissão. Hoje somos serralheiros, na área de alumínio. Meu pai alternava entre a marcenaria e a música para o sustento de casa. Hoje eu também tenho essa mesma dinâmica: alterno entre a serralheria e a música para o sustento da minha família.
A música possibilita algum ganho financeiro para você? Se sim, é um ganho significativo para a sua família?
Essa é uma pergunta que vou responder dentro da minha realidade. Não vivo exclusivamente de música. Não é um ganho significativo, tendo em vista a compra de instrumentos, muitas vezes caros, além do tempo investido em estudos e a baixa valorização da classe musical.
Por que você continua tocando?
Puro amor pela música.
Qual lugar e importância a música tem na sua vida?
Lugar importantíssimo. A música é um dom dado por Deus. Sendo assim, liberta, cura, salva e ajuda.
O que é sucesso para você? Você acha que atingiu o sucesso musical?
O sucesso tem um preço, e eu escolhi o meu. Entre as muitas viagens, ônibus, estradas, avião, cidades, shows, lugares, fama, escolhi minha família. Não nego o ótimo lado financeiro que o sucesso teria trazido. Mas, como disse, escolhi minha família.
De que maneira você equilibra sua vida musical com a vida pessoal de trabalho e cuidado com a família?
De forma muito simples e equilibrada. Pois, como relatei anteriormente, não vivo exclusivamente da música. Mas entendo, respeito e admiro quem tira seu sustento dessa grande arte, que, por muitas vezes, não tem o devido valor.
Como você vê a cena musical em Maceió hoje? Há espaços para os músicos que não são famosos?
Alagoas é um berço de grandes artistas, como: Eliezer Setton, Chau do Pife, Nelson da Rabeca (in memoriam) e tantos outros que, com seu dom e sua arte, levam o legado musical à frente.
Assim como em todo ramo, Maceió não disponibiliza tanto espaço e visibilidade para os músicos da terra. Falo isso por experiência própria. No maior "São João do Litoral", enquanto artistas se apresentavam nos grandes palcos com cachês milionários, quem de fato carrega a cultura do verdadeiro forró se apresenta em coretos, com cachê entre R$ 2.000,00 e R$ 3.000,00, e pagamento em 30 dias. Ou seja, trabalha em junho para comer em julho.
Quais foram os maiores desafios que você enfrentou como músico e como trabalhador?
Dinheiro. Pois um bom instrumento exige um bom investimento. E o grande desafio do tempo.
Você sonha em ter uma carreira musical diferente da que tem hoje? Por quê?
Não. Porque me sinto realizado em depositar o pouco que tenho em forma de arte musical dentro do maior e mais precioso “acontecimento" que existe na face da Terra: a SANTA MISSA.
Você estimula seus filhos a aprenderem música? Por quê?
Sim. Maria Júlia, a mais velha, hoje faz música clássica. Mas, com toda certeza, serão estimulados à música. Certa vez, o Maestro Almir Medeiros me disse: “A música engloba várias ciências dentro dela. A música, além de dom, nos traz grande desenvolvimento intelectual.” Podemos medir o nível cultural de uma sociedade pela música que lhe é oferecida. Se a música é de baixa qualidade, com toda certeza teremos uma sociedade escravizada.
Qual o recado que você deixaria para os músicos que dividem seu tempo entre apresentação, trabalhos comuns e cuidado com a família?
Vocês são a coisa “mais linda” que existe nesse mundo. São verdadeiros heróis e pais de família. Sei como é nos bastidores, eu sei como é a luta, entre palcos, sons, equipamentos, muitas vezes de baixa qualidade. Por outro lado, há uma grande vontade de trabalhar, mostrar sua arte e levar dignidade para casa. Continuem. Que Deus abençoe vocês! Como sempre digo: não espere que o mundo seja melhor, faça você um mundo melhor.
*Estagiário sob supervisão da editoria.