Filha e uma das vítimas de abusos sexuais do ex-promotor de Justiça Carlos Fernando Barbosa de Araújo, Luana Rodrigues, se disse surpresa e indignada com a decisão da Justiça que concedeu a ele o direito de cumprir sua pena em prisão domiciliar.

Carlos Fernando foi condenado a 76 anos e 5 meses de prisão por crimes sexuais contra duas filhas e uma enteada e pela posse de material pornográfico infantil. O ex-promotor obteve a progressão de regime, após passar 12 anos, 8 meses e 25 dias no presídio Baldomero Cavalcanti, em Maceió, e irá para o regime semiaberto. No entanto, o estado não dispõe de colônia penal destinada a esse tipo de regime, por isso, ele vai cumprir a sentença em casa.

Luana foi abusada pelo pai dos 11 aos 23 anos. Logo que foi informada da decisão da Justiça, ela procurou apoio na Casa da Mulher Alagoana Nise da Silveira, espaço do Tribunal de Justiça de Alagoas de atendimento a mulheres vítimas de violência.

Em entrevista ao CadaMinuto, Luana revelou que recebeu a decisão da Justiça com preocupação.

“Recebi essa decisão com preocupação, com um sentimento oposto ao sentimento que eu tive em 2015, no julgamento, cujo tramite processual durou mais de dez anos, entre idas e vindas de tantos depoimentos, de audiências. Foi quando, finalmente, a Justiça foi correta e cumpriu aquilo que realmente era necessário, diante da hediondez de tudo o que ele fez”, diz Luana.

Carlos Fernando foi condenado em abril de 2104. Os abusos vieram à tona em 2006 

“Foi uma pena de mais de 76 anos e eu pensava que ele ficaria no máximo 30 anos preso, visto que no Brasil, no sistema atual penal, ninguém fica mais de 30 anos preso. Na época, a Justiça foi feita e a gente viveu. Passou-se esse tempo e eis que, após 12 anos ele consegue ir para prisão domiciliar”, lamenta.

Luana diz que não está falando com ódio, mas com um sentimento de irresignação em saber que uma pessoa que pratica crime hediondo tenha direito a progressão de pena.

“Não é uma questão de estar falando com ódio. É um sentimento de irresignação, em saber o motivo pela qual a pena progrediu. Esse tal bom comportamento, os benefícios que esse sistema traz, que eu acho muito importante para quem realmente precisa, a quem se aplica corretamente, tipo uma pessoa que não teve acesso ao estudo, que socialmente esteve à margem do sistema educacional, de acesso à saúde básica, de acesso uma vida em família, crianças que tiveram que largar a escola para trabalhar na infância, sustentar família, e que viveu na violência e acabou reproduzindo, Uma pessoa assim, quando vai presa pode aproveitar o tempo pra ler, estudar, cursar uma faculdade dentro cadeia, e assim elas estarão fazendo jus ao benefício”, aponta.

Filha mais velha, Luana ressalta que Carlos Fernando é culto, tem formação acadêmica, era uma autoridade e sabe todas as leis de cor e deve ter usado desses artifícios para ser beneficiado com a progressão da pena,

“Ele já é culto, ele já estava formado. Na verdade, ele era uma autoridade. Ele sabe de cor todas as leis, tem escrita impecável. Ele foi elogiado no laudo psiquiátrico dele e foi beneficiado porque fez uma faculdade dentro da cadeia, porque leu livros dentro da cadeia. Então, qual o sentimento que eu posso dizer enquanto pessoa da sociedade, vítima e denunciante? Infelizmente parece que compensa cometer crimes, porque vai ficar tido certo. Você vai ter um bom comportamento, você vai progredir e vai poder ir para casa ter uma vida mais confortável”, diz.

Luana diz que a decisão da Justiça a fez reviver uma dor já superada e que precisou de coragem para quebrar um silencio de 10 anos de violência e 10 anos de um rito processual, enquanto ele só ficou preso 12 anos.

“É doloroso, é reviver uma dor já superada e eu acho que se reflete na sociedade. Eu posso não generalizar 100 %, vou dizer 99%, porque há quem pergunte: por que você fez isso? Dar uma declaração dessa? Mas, aqui é uma pessoa que se sente assim indignada e não é só com isso, mas com muitos casos semelhantes, mas aqui é uma vida real, de quem precisou primeiro ter coragem de quebrar um silêncio de 10 anos de violência, que não foi fácil. Viver mais 10 anos de rito processual, para em 12 anos ele ficar livre, num sistema de semiaberto que logo, logo vai progredir para o aberto. É doloroso!”, destaca. 

Luana tem um problema sério visão e já não consegue enxergar as coisas de forma clara. Ela é mãe de cinco filhos, todos com TEA (Transtorno do Espectro Autista). Há pouco mais de um ano, ela teve que fechar uma pequena lojinha de fabricação e venda de bolos, que conseguiu montar com a ajuda de uma “vaquinha”, depois de ser proibida de fazer bolos no seu apartamento.

A loja foi fechada porque devido ao seu problema de visão, ela estava se machucando constantemente durante a produção dos bolos, que ela segue fazendo, mas numa escala de produção menor. Ela também trabalha. “Tenho um problema de visão, sério, e não enxergo direito “, ressalta.

Luana diz que teme pela sua integridade física, “tenho um receio pela minha integridade física. Quem não teria no meu lugar? Mas isso não vai me impedir de viver. Vou fazer minhas coisas normalmente. Eu tenho meus filhos para levar na terapia, tenho o meu trabalho, tenho me deslocar de casa para o trabalho, eu continuo confeiteira, tenho um projeto social e tenho intenção de outros projetos futuros. Nada vai me parar!”.

Forte e determinada, Luana diz esperar que crimes hediondos não tenham opção de progressão de pena. Ela 

“Às vezes eu penso que lá na frente talvez a sociedade para os meus filhos, para os meus netos seja outra, com um Direito mais avançado, onde o projeto que determine que quem comete crime hediondo não tenha progressão da pena seja aprovado e entre em vigor. Quem comete crime hediondo não deveria ter essa opção [...] passei muita coisa na vida, tive ajuda e meu desejo é ajudar quem precisa como um dia eu precisei. Mas eu não fui tão amparada como hoje o agressor é.  A Justiça dá amparo ao agressor e meio que pune duplamente a vítima. Esse é o meu sentimento”, conclui.