“É sempre melhor que quem nos incute medo tenha mais medo do que nós” (Umberto Eco)
O mais recente episódio no Instituto Federal de Alagoas (Ifal) - Campus Coruripe expôs, mais uma vez, a contradição e o oportunismo do moralismo político travestido de defesa de valores. Um pastor e vereador da extrema-direita, após assistir a um trecho do filme O Nome da Rosa exibido em uma atividade pedagógica do Ifal, onde há uma breve cena que simula um ato sexual, levou o caso à Câmara Municipal e passou a atacar a professora responsável. O gesto, que buscava criar um escândalo, terminou por confirmar a crítica central do próprio filme baseado no livro de Umberto Eco, que retrata o medo do conhecimento e a repressão ao pensamento livre. Ao tentar censurar uma obra que denuncia a intolerância e o autoritarismo, o vereador acabou se colocando no papel dos inquisidores que Eco retrata.
O moralismo, mais uma vez, foi utilizado como instrumento de intimidação e pânico moral, revelando o medo que a extrema-direita sente da liberdade intelectual, cultural e artística.
Poucos dias antes, no Ifal - Campus Palmeira dos Índios, uma atividade de língua inglesa sobre o Halloween foi distorcida e acusada de intolerância religiosa. O episódio, totalmente retirado de contexto, serviu de pretexto para atacar o Núcleo de Gênero e Diversidade Sexual (Nugedis), que sequer havia participado da ação. O simples fato de o evento ter ocorrido em um espaço compartilhado com o núcleo foi suficiente para que ele se tornasse alvo de difamação e desinformação, repetindo a mesma lógica persecutória que tenta transformar o ambiente escolar em um campo de guerra ideológica.
O primeiro ataque da série recente ocorreu em Maceió, quando vereadores da extrema-direita tentaram desmoralizar a professora Vanieire, da rede estadual, por utilizar em sala de aula uma cartilha do Núcleo de Estudos sobre Gênero e Sexualidade (Nugs) do Instituto Federal de São Paulo (Ifsp). O caso, também levado à Câmara Municipal, converteu-se em espetáculo de patrulhamento ideológico e manipulação política. O material, reconhecido nacionalmente, foi utilizado de forma legítima e educativa, mas tratado como afronta à moral e aos valores tradicionais que esses grupos dizem defender. Em resposta, o Nugs publicou uma carta aberta à comunidade de Maceió no site oficial do Ifsp e promoveu o debate público "Docência, diversidade e democracia: a escola como campo de disputa simbólica” no Youtube, reafirmando que a educação é espaço de emancipação e não de censura, com participação especial da professora de História Vanieire dos Santos e do Professor de Filosofia Luciano Paz.
Esses três episódios, em Maceió, Palmeira dos Índios e Coruripe, não são fatos isolados. Integram uma ofensiva articulada e permanente da extrema-direita contra professores, escolas e núcleos que defendem a diversidade, o pensamento crítico e a liberdade de cátedra. Trata-se de um projeto político que pretende subjugar a educação pública, silenciar as vozes que estimulam a reflexão e reverter os avanços civilizatórios da escola democrática.
A estratégia discursiva da extrema-direita alagoana segue o mesmo manual eleitoral bolsonarista de 2018, quando o então candidato à presidência utilizou o falso discurso da ideologia de gênero para espalhar medo e desinformação. À época, imagens e livros foram apresentados fora de contexto para associar adversários à suposta distribuição de um kit gay nas escolas, uma mentira desmentida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Aquela farsa inaugurou uma era em que o medo e a manipulação se tornaram métodos de disputa política. Hoje, o mesmo padrão se repete em Alagoas, com o uso de gabinetes digitais, perfis falsos e a compra de espaço em blogs e sites para fabricar engajamento e difundir fake news, desinformação e pânico moral. É a continuidade de uma tática que transforma a mentira em ferramenta de poder e o pânico moral em instrumento de controle.
O caso do filme O Nome da Rosa revela, de forma incontornável, que a extrema-direita ainda se apoia em práticas obscurantistas e medievais, incompatíveis com o nosso tempo e incapazes de oferecer qualquer benefício à sociedade. Os educadores dos institutos federais e a comunidade acadêmica alagoana não se curvarão diante dessa ofensiva. Defender a liberdade de ensinar e aprender é defender a democracia, a ciência, a cultura e o futuro. É recusar o medo como método político e reafirmar a coragem de pensar, que sempre foi e continuará sendo o maior temor dos inquisidores de todas as épocas.
Deixo registrada minha solidariedade a todas/os/es que integram os Núcleos de Diversidade, Gênero e Sexualidade do Ifal e da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT), bem como aos educadores das redes estadual e municipais de Alagoas. Em especial, manifesto meu reconhecimento e apoio as/aos companheiras/os Vanieire, Idalino e Maria, que têm sido firmes na defesa da liberdade de pensamento e do direito de ensinar.
Também saúdo a importante iniciativa do Ifal - Campus Murici, que realiza amanhã o evento liberdade de pensamento em debate. A atividade convida a comunidade acadêmica para uma sessão especial com o clássico O Nome da Rosa, filme que nos transporta à Idade Média e inspira reflexões profundamente atuais sobre o perigo da censura e da proibição do acesso ao conhecimento, o uso da religião como instrumento político e o papel da juventude no enfrentamento ao fundamentalismo, além de destacar a importância da liberdade de cátedra e da defesa do Estado laico. O evento será realizado no dia 29 de outubro, às 9h, no auditório do Ifal - Campus Murici, e é voltado a estudantes, docentes, técnicos e à equipe pedagógica.
O filme O Nome da Rosa consta entre as indicações regulares do próprio site do Ministério da Educação (MEC), integrando materiais didáticos de apoio. Sua recomendação é resultado de uma curadoria técnico-pedagógica reconhecida e consolidada em todo o país.










