Metade do Brasil defende até a morte que o voto do ministro Luiz Fux foi absolutamente técnico. A outra metade não tem dúvida de que o voto de Luiz Fux foi uma peça cem por cento política. Em podcasts, programas de TV, nos portais de notícia e nas páginas da velha imprensa, as duas visões apresentam suas teses com argumentos e convicções. De quebra, entra em campo o time dos jornalistas para “encerrar o assunto”.
Nos dois lados dessa guerra de versões, temos juristas, cientistas sociais, historiadores e filósofos explicando, por A + B, a verdade real sobre o catatau lido por Fux durante 14 horas. No caso, a verdade verdadeira, coitada, é arrastada de um lado para o outro, a depender do especialista. Aqui, fala a turma que recorre ao argumento de autoridade.
Eis aí um fenômeno que atravessa os séculos e produz controvérsia em todas as áreas. Para falar sobre sentença judicial, você precisa ter formação em direito. Para se meter em debate sobre inflação, ajuste fiscal e déficit primário, mostre o diploma de economista. Como criticar sambinhas de Chico Buarque se você não arranha nem um berimbau?
O bate-boca pode chegar à pancadaria física quando se trata do universo do futebol. Jogadores e ex-jogadores não suportam jornalistas que ganham a vida como comentadores. Fala Romário: “Já chupou laranja?”. A expressão faz referência ao jogador raiz, digamos assim. Se nunca calçou chuteira, vai comentar o quê?
Forçando a barra, digo que a coisa se assemelha ao que ocorre com o conceito de lugar de fala, importado pela filósofa Djamila Ribeiro. A expressão é autoexplicativa – e é por isso mesmo que causa tanto ruído em discussões acaloradas. Põe um peso desmedido sobre variáveis biográficas para legitimar esta ou aquela corrente de pensamento.
Todo esse arrazoado, é claro, aparece aqui com a ligeireza de um especialista em tudo – ou seja, em nada. Dizem que esta é uma das marcas deletérias do jornalismo. Não sei. Seja como for, é um perigo reservar a patotas de iniciados a prerrogativa exclusiva de opinar acerca de temas que afetam a vida de todos nós. Ficou claro isso?
Agora, repare bem: se a opinião sobre qualquer tema, de qualquer área, tem potencial de confusão, imagine quando a ideologia e a paixão política envenenam o debate. É o caso do julgamento de Bolsonaro. De doutores a estagiários, na academia e nas esquinas, a chance de um diálogo com sobriedade é zero. A chance de pacificação é abaixo de zero.
Minha opinião sobre o voto do ministro Luiz Fux está nos textos anteriores. Neste aqui, o assunto são as possibilidades e armadilhas da linguagem. Mais ou menos por aí.