“Quando a gente se viu pela primeira vez, eu soube que ele era o nosso filho. Foi uma certeza imediata. Só felicidade.” A lembrança é de Netinho Cavalcante, 30, assistente social, sobre o encontro com um dos três filhos que adotou ao lado do marido, o professor de geografia Shaolin Erik, 31.
Moradores do bairro Bom Sucesso, em Arapiraca, no Agreste de Alagoas, eles formam uma família que desafia estereótipos, rompe preconceitos e inspira outros casais a seguirem o mesmo caminho.
O casal é pai de Anderson, 10 anos, Márcia, 8, e Dandam, 2. Entre risos e as histórias do dia a dia, eles descrevem uma rotina movimentada, dividida entre afazeres domésticos, escola, brincadeiras e o cuidado com os pets da família, Noah e Nala.
“Agora sim, a nossa família está completa”, diz Erik, ao relembrar como as crianças se adaptaram à nova casa. A adoção, explicam, sempre esteve nos planos. Netinho estava inscrito na fila desde 2016 e, ao conhecer Erik, descobriu que o desejo de ser pai também era compartilhado.
“Nunca pensamos em outra forma de ter filhos. Era isso, sempre foi isso”, afirma. Em 2024, já casados, iniciaram juntos o processo, que incluiu curso obrigatório, apresentação de documentos e habilitação formal na 1ª Vara da Infância e Juventude de Arapiraca, do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ/AL).
Amor que rompe barreiras e preconceitos
Eles contam que a jornada foi marcada por acolhimento e profissionalismo por parte da equipe técnica, sem entraves burocráticos ou episódios de discriminação. “Quando tornamos público, o retorno foi muito positivo. Todo mundo nos deu parabéns”, diz Erik.
Netinho reforça que a postura do casal também foi importante para evitar situações de preconceito: “Se tivesse acontecido, eu teria reagido. Sou muito combativo nesse sentido.”
O momento mais marcante, afirmam, foi o primeiro contato com cada criança. Antes de Dandam e Márcia chegarem, a família já havia sido formada com Anderson — e, em todas as ocasiões, a sensação foi a mesma: uma ligação imediata. “Pegamos todas as fases: 8, 10 e 2 anos. O amor não depende da idade. Uma criança de 10 anos também merece e retribui amor — e vai lembrar disso para sempre”, destacam.
No Dia dos Pais, comemorado neste domingo (10), eles se preparam para celebrar juntos a data, reforçando a importância da representatividade para outros casais que sonham em adotar.
“O processo não é fácil, mas é possível. Não tenham medo. Procurem a Vara da Infância, façam o curso, reúnam os documentos e se habilitem. O amor sempre fala mais alto”, aconselha Netinho.
Erik completa com uma frase que, segundo ele, resume o sentimento da nova fase: “A partir de agora, você nunca mais vai estar sozinho.”
Justiça em AL reafirma direito à adoção por casais homoafetivos
Histórias como a de Netinho e Erik se multiplicam em Alagoas, mesmo em um estado de raízes conservadoras. A paternidade por casais homoafetivos avança de forma silenciosa, mas consistente, desafiando estigmas e provando que o amor é a base de qualquer família. E, no campo jurídico, esse avanço já encontra respaldo sólido.
O juiz Anderson Passos, titular da 1ª Vara da Infância e Juventude de Arapiraca, explica que a legislação brasileira assegura plena igualdade na adoção para casais de todas as orientações sexuais e identidades de gênero — e que o Judiciário, na prática, cumpre esse princípio.
Segundo o magistrado, não existem dispositivos legais que imponham barreiras específicas para pessoas LGBTQIAPN+ — que inclui lésbicas, gays, bissexuais, pessoas trans, queer, intersexuais, assexuais, pansexuais, não binárias e outras diversidades. Ao contrário, a experiência da Vara mostra que essas famílias têm resultados tão positivos quanto as formadas por casais heterossexuais.

“O Poder Judiciário já trabalha com o princípio da igualdade, e não há qualquer diferenciação na legislação que dificulte a adoção por pessoas que não sejam heterossexuais”, afirma.
O trâmite é o mesmo para todos: ter pelo menos 16 anos a mais que a criança ou adolescente, demonstrar capacidade para exercer a parentalidade, participar do curso de preparação e se inscrever no Cadastro Nacional de Adoção. O processo, reforça o magistrado, é democrático e reconhece todas as configurações familiares previstas em lei — de casais hétero e homoafetivos a pessoas solteiras.
Embora o Judiciário atue de forma igualitária, o juiz reconhece que o preconceito persiste em outra frente: a recusa de alguns adotantes em acolher crianças e adolescentes da comunidade LGBTQIAPN+.
“Em um caso recente, um casal devolveu um adolescente e, entre os motivos, estava o preconceito. Condenei-os a pagar indenização por danos morais, pois atingiram a dignidade do jovem”, relata.
Para ele, o respeito precisa ser uma via de mão dupla: garantir que casais homoafetivos possam adotar sem discriminação e assegurar que todos os jovens — independentemente de gênero ou orientação sexual — sejam recebidos com dignidade.
A mensagem para este domingo é a de segurança e inclusão. Ele garante que, em Alagoas, pretendentes dessa comunidade recebem o mesmo tratamento que qualquer outro candidato, com um processo técnico, fiscalizado e amparado pelos princípios constitucionais de igualdade e dignidade.
Mais que cumprir a lei, Passos destaca o que está na essência da paternidade: “Quanto mais amor uma criança receber, mais sólida será a base que sustentará sua vida. As pessoas LGBTQIAPN+ podem ter tranquilidade: em Alagoas, serão tratadas com respeito e em pé de igualdade com qualquer outro casal”, finaliza.
*Estagiária sob supervisão da editoria