Nos últimos 12 meses, ações de limpeza realizadas pela Secretaria Municipal de Saúde de Maceió em residências de acumuladores nos bairros São Jorge, Santa Amélia, Santa Lúcia e Santo Amaro resultaram na retirada de cerca de 25 toneladas de materiais. Além de combater riscos sanitários, com consequências diretas para a saúde e a convivência comunitária nas regiões, as intervenções revelam histórias marcadas por impactos emocionais significativos, sofrimento psicológico e isolamento social entre os acumuladores.

Em entrevista ao CadaMinuto, o psicólogo e professor Wanderson Vieira explicou que o transtorno de acumulação compulsiva é frequentemente relacionado a uma profunda conexão emocional com os objetos. Segundo ele, para muitas pessoas que sofrem desse transtorno, os itens acumulados não são apenas coisas materiais, mas representam memórias, segurança, identidade ou até mesmo uma tentativa de controlar o que não se pode dominar no mundo. 

"O acumulador guarda objetos como uma forma de evitar o sofrimento, a perda ou o arrependimento futuro", explica o especialista. Ele destaca que, para esses indivíduos, os objetos se tornam símbolos importantes e, frequentemente, surgem pensamentos como: “E se eu precisar disso um dia?”, “Se eu jogar fora posso me arrepender” ou “Isso faz parte de quem eu sou”. A mente dessas pessoas, segundo Vieira, funciona com altos níveis de dúvida e medo de perder algo valioso, resultando em uma constante dificuldade em tomar decisões. 

“Isso cria um ciclo entre culpa, ansiedade e alívio temporário", afirma o psicólogo. Para ele, existe uma dor real associada à ideia de desapegar, como se jogar um objeto fora fosse se desfazer de uma parte de si mesmo.

Vieira explica que o comportamento de acumulação tem várias origens, geralmente ligadas a experiências emocionais ou traumáticas. O psicólogo observa que o acúmulo muitas vezes começa de forma discreta, com a guarda de itens como lembranças ou objetos que proporcionam uma sensação de conforto e segurança. 

"Mas com o tempo, o comportamento pode se intensificar, especialmente quando a pessoa passa por perdas significativas, como a morte de entes queridos ou a perda de estabilidade emocional", ressalta. Vieira também aponta que, para algumas pessoas, acumular é uma forma de manter algo que não vai embora, como uma forma de controle diante de um mundo que parece sempre prestes a desmoronar. Em outros casos, o transtorno surge devido a uma infância instável, onde não havia segurança ou confiança. "A acumulação pode ser uma resposta ao medo de 'um dia precisar disso', e muitas vezes os objetos se tornam extensões da própria identidade", observa o psicólogo.

De acordo com o especialista, é importante destacar que o transtorno não está relacionado à falta de força de vontade, mas sim a um mecanismo de defesa emocional. "Embora as pessoas acumuladoras queiram mudar, muitas vezes não sabem por onde começar, já que o que parece ser um excesso de objetos na visão de quem observa de fora está, na verdade, ligado a histórias e sentimentos não resolvidos”. Para ele, as pessoas acumuladoras estão lidando com emoções profundas, que não foram devidamente processadas ou cuidadas.

 

 

Tratar para desapegar

Quando se trata de tratamento, Vieira afirma que existem abordagens eficazes, sendo a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) a mais indicada para o transtorno de acumulação compulsiva. "A TCC tem mostrado grandes resultados porque ajuda a pessoa a entender os pensamentos e emoções que motivam o comportamento de acumular", explica. 

Ele destaca que, durante a terapia, os pacientes aprendem a identificar crenças disfuncionais, como: “Vou precisar disso um dia”, “Se eu jogar fora, vou me arrepender” ou “Esse objeto tem valor sentimental, mesmo que esteja quebrado”. A terapia também envolve a exposição gradual a situações que envolvem o desapego, começando por objetos pequenos. "O objetivo é mostrar que é possível lidar com o processo de desapego sem sofrer", diz o psicólogo.

Wanderson também explica que a TCC inclui o treinamento de habilidades de decisão e organização, já que muitas pessoas com esse transtorno enfrentam dificuldades em tomar decisões. "A terapia utiliza técnicas que ajudam a pessoa a melhorar a clareza mental e a tomar decisões mais simples, como decidir se deve jogar algo fora ou guardar", acrescenta. Além disso, ele enfatiza a importância de envolver a família no processo de tratamento. "É fundamental que a família seja orientada a apoiar sem forçar mudanças ou invadir o espaço da pessoa acumuladora, pois isso pode agravar ainda mais o problema", alerta.

Em alguns casos, o psicólogo afirma que medicamentos podem ser indicados, especialmente quando há comorbidades como ansiedade ou depressão. "Medicamentos como os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) podem ser recomendados para ajudar a controlar os sintomas de ansiedade e estabilizar o humor", diz Vieira. Além disso, ele sugere que participar de grupos terapêuticos e de apoio social pode ser uma ótima forma de reduzir a vergonha e criar um ambiente de empatia. "Esses grupos oferecem uma oportunidade para as pessoas compartilharem suas experiências e se sentirem compreendidas".

 

 

Oferecendo ajuda

Quando se trata de ajudar alguém com esse transtorno, o especialista reforça que o apoio deve ser baseado em empatia e compreensão. "Evite frases como 'Isso é sujeira' ou 'Vamos jogar tudo fora', porque essas palavras só reforçam a vergonha e a resistência", aconselha. Em vez disso, ele sugere frases como: “Posso entender melhor o que isso significa para você?” ou “Quer conversar sobre como isso começou?”. Segundo ele, dar opções de escolha, como "Quer que a gente comece por uma gaveta ou só conversamos hoje?" é uma maneira de ajudar a pessoa a se sentir no controle do processo, evitando que ela se sinta invadida.

Quando possível, é importante incentivar a busca por ajuda profissional. "Explicar, com calma, que existem psicólogos especializados que trabalham respeitosamente para ajudar, pode ser um passo importante", diz. Além disso, ele sugere começar com pequenas mudanças e celebrar as conquistas, por menores que sejam. "Às vezes, doar uma caixa de objetos pode ser uma grande vitória emocional", observa. Ele também alerta para o risco de tentar resolver o problema sem o consentimento da pessoa. "Jamais jogue nada fora escondido, pois isso pode quebrar a confiança e piorar ainda mais a situação", recomenda Vieira.

Por fim, o psicólogo enfatiza a importância de cuidar de si mesmo durante o processo de ajuda. "Ajudar alguém com transtorno de acumulação pode ser emocionalmente desgastante, e é fundamental buscar apoio e orientação para lidar com as dificuldades que surgem ao longo do caminho", conclui.

Em resumo, Vieira acredita que a melhor maneira de ajudar uma pessoa com esse transtorno não é tentar "resolver a bagunça", mas sim mostrar que ela não está sozinha. "Quando a pessoa sente que não está sendo julgada, ela começa a soltar não os objetos, mas os medos e sentimentos que a mantinham presa a eles", finaliza.

Denúncias e acompanhamento

Por meio de sua assessoria de Comunicação, a Secretaria Municipal de Saúde explicou à reportagem que as intervenções de limpeza realizadas em residências de acumuladores não ocorrem de forma espontânea. A Secretaria atua exclusivamente a partir de denúncias, uma vez que, por se tratar de residências particulares, não é possível identificar previamente o acúmulo irregular de materiais. Vale ressaltar que empresas que lidam com reciclagem ou venda de itens usados precisam realizar suas atividades em locais adequados, com as devidas autorizações dos órgãos competentes.

Quando as equipes de limpeza se deparam com situações de acúmulo compulsivo, a Secretaria aciona a Assistência Social e o setor de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde. Esses profissionais avaliam os moradores e tomam as medidas cabíveis para lidar com as condições encontradas.

Após a intervenção, os moradores recebem acompanhamento com o objetivo de evitar a reincidência. Por meio do diálogo, as equipes buscam conscientizar sobre os riscos à saúde causados pelo acúmulo excessivo de objetos, tanto para os próprios acumuladores quanto para os vizinhos.

O risco à saúde pública é um dos principais motivadores dessas ações. Em diversas residências, foram identificados escorpiões, ratos, focos do mosquito Aedes aegypti e ambientes insalubres, representando sérios perigos à saúde. As doenças mais recorrentes em tais casos incluem dengue, chikungunya, zika, leptospirose e até acidentes com animais peçonhentos.

O lixo recolhido durante as operações recebe destinação correta, sendo levado pela ALURB, empresa responsável pela limpeza urbana, ao aterro sanitário de Maceió. Essas ações não ocorrem isoladamente: também há a colaboração de outros órgãos, como a Defesa Civil, o Ministério Público, a Delegacia de Crimes Ambientais, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e o setor de Endemias da Secretaria Municipal de Saúde, formando um esforço conjunto para resolver a questão e combater os riscos à saúde e ao meio ambiente.

As denúncias podem ser feitas pelos telefones (82) 3312-5495 ou pelo WhatsApp (82) 98752-2000.