Uma pesquisa inédita conduzida em Alagoas revelou um dado alarmante: a presença de microplásticos em placentas e cordões umbilicais de gestantes no estado. Os resultados acendem um sinal de alerta sobre a exposição de fetos a essas partículas ainda durante a gestação, indicando a possível interferência no desenvolvimento intrauterino. O estudo integra uma edição especial da revista Anais da Academia Brasileira de Ciências sobre poluição por microplásticos e foi coordenado por pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
Apesar dos resultados iniciais, os cientistas alertam que ainda não é possível afirmar com certeza os efeitos diretos dessa contaminação sobre os bebês. No entanto, os dados já sugerem que os microplásticos podem estar circulando pelo organismo fetal, o que reforça a necessidade de políticas públicas e mudanças nos hábitos de consumo.
O Professor Dr. Alexandre Borbely, do Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde (ICBS) da Ufal, orientador da pesquisa, detalha a metodologia, os principais achados e ainda faz recomendações importantes para a população. A entrevista foi mantida integralmente, conforme concedida ao Cada Minuto. Confira.

Entrevista na íntegra
Encontrar microplásticos na placenta e no cordão umbilical de recém-nascidos quer dizer que o feto pode desenvolver alguma doença?
Os dados ainda são muito iniciais para a gente poder afirmar isso. Estudos em células e animais mostram que existe, sim, possibilidade de alterações, mas precisamos ampliar os estudos em humanos para poder confirmar essa possibilidade. Mas embora ainda não saibamos ao certo o que eles causam nos fetos dentro do útero, o fato de ter partículas estranhas durante esse período faz com que seja muito provável que alguma alteração exista, nem que seja em nível molecular.
Como essas substâncias foram absorvidas pelo feto?
O feto entra em contato com essas substâncias justamente por elas estarem passando a barreira placentária e terem sido encontradas no cordão umbilical. O cordão tem vasos sanguíneos que levam o sangue da placenta para dentro do corpo do feto e vasos que retornam para a placenta, indicando que esses microplásticos que encontramos estão circulando no feto. Se elas podem se acumular em órgãos dele, como coração, cérebro ou outros, isso ainda não sabemos.
Quais as características da amostra pesquisada? Qual a quantidade?
Nós avaliamos os cordões umbilicais e placentas de 10 participantes da pesquisa e encontramos 228 microplásticos no total. Em sua maioria esses microplásticos foram caracterizados como sendo de polietileno, um polímero encontrado em sacolas de mercado, embalagens de uso único etc. Também é importante ressaltar que o polietileno é o plástico mais encontrado no lixo que polui as orlas marítima e lagunar de Alagoas.

Quais as características semelhantes entre a amostra pesquisada no Brasil e a dos EUA?
Em estudo anterior que fizemos com amostras do Havaí (EUA), tivemos a mesma quantidade de participantes contaminadas nas amostras atuais (100%). Em termos de concentração e tamanho, os microplásticos que encontramos são um pouco maiores e também em maior quantidade do que encontramos no Havaí. Os tipos de plásticos encontrados e a quantidade e tipos de aditivos químicos mudaram muito. Aqui tivemos amostras com menos aditivos químicos identificados e o polietileno como contaminante principal, enquanto nas amostras do Havaí tivemos mais aditivos químicos e o poliéster e o polietileno tereftalato (PET) sendo os mais comuns contaminantes.
Onde o artigo científico foi publicado?
No jornal Anais da Academia Brasileira de Ciências. O artigo faz parte de uma edição especial com trabalhos brasileiros focados na poluição de microplásticos abrangendo todas as áreas de conhecimento.
Qual o método de pesquisa?
Cerca de 40 gramas de placenta ou cordão foram digeridos em uma solução de hidróxido de potássio por 7 dias e depois dessa digestão, filtramos e analisamos os filtros contendo as micropartículas não digeridas por microespectroscopia Raman. Essa técnica permite dizer qual a composição química das micropartículas uma a uma, assim a gente consegue dizer os tipos de plásticos e os aditivos que elas têm.
A partir da pesquisa, existe alguma recomendação a fazer para a população alagoana?
Primeiro, que a população tenha orgulho da Ciência de qualidade que está sendo produzida aqui em Alagoas, nas universidades públicas, mesmo em momentos de redução de verbas nas universidades e cortes nos financiamentos das pesquisas. Agora que conhecemos que a população local está contaminada com microplásticos, ampliaremos os estudos para tentar correlacionar com algum possível problema para a gestante ou para os fetos em formação. Até lá, não tem como fugirmos dessa exposição de microplásticos, mas podemos fazer o possível para reduzir essa exposição ao máximo. Evitar o consumo de água em recipientes plásticos, evitar o uso de alimentos esquentados em plásticos no micro-ondas, evitar o uso de plásticos de uso único (sacolas de mercado, canudos, descartáveis) e, principalmente, pressionar os governantes eleitos em todas as esferas políticas para que legislem em favor de regulamentações na cadeia produtiva dos plásticos, porque somente com leis, regras e controle sobre a cadeia produtiva é que conseguiremos reduzir a exposição ambiental e, consequentemente, a nossa exposição.
Foto de capa: Isadora Cavalcante, Stephanie Ospina-Prieto e Drº. Alexandre Borbely (orientador).
*Estagiário sob supervisão da editoria.