A greve da rede estadual de educação de Alagoas, deflagrada em 1º de julho de 2025, data prevista para o retorno das aulas após o recesso do meio do ano, se consolidou como uma das maiores mobilizações da categoria nos últimos anos. A principal motivação é a falta de disposição do governo Paulo Dantas (MDB) em negociar com seriedade o reajuste anual e uma pauta extensa e urgente de reivindicações, cuja data-base é em maio. Essa morosidade é recorrente nesta gestão, que já acumula atrasos em negociações e desprezo sistemático pela educação pública.

A proposta do governo, de 4,83% de reajuste linear, sequer cobre as perdas inflacionárias acumuladas, e ignora o aumento de 15% na complementação federal do Fundeb em relação ao ano anterior. A categoria reivindica 10%, com base nos dados oficiais que indicam aumento da receita. Pela legislação, 75% dos recursos do Fundeb devem ser investidos em remuneração dos profissionais da educação. Ainda assim, o governo se recusou a aplicar um reajuste diferenciado, alegando que não poderia justificar tratamento distinto em relação a outras categorias do serviço público.

A opacidade da gestão sobre o Fundeb agrava ainda mais o conflito. Desde o governo Renan Filho, o Estado está supostamente amparado por uma decisão judicial que o isenta de prestar contas públicas detalhadas sobre os gastos com o fundo. Isso significa que a sociedade e a categoria não sabem quanto está sendo efetivamente investido. Durante um tempo, essa falta de transparência foi “compensada” por rateios de fim de ano, mas desde 2022 nem isso ocorre. Essa ausência de mecanismos transparentes de valorização profissional reforça o distanciamento do governo em relação às demandas da categoria.

No fim do ano passado, foi reativado o Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Fundeb, do qual o Sinteal faz parte. Conforme último informe do sindicato, estão em andamento os esforços para levantar os dados retroativos sobre os gastos com o fundo. Trata-se de um processo demorado, mas que, segundo o plano em curso, deve culminar na produção e divulgação dessas informações, fundamentais para dar transparência à aplicação dos recursos.

Ao que tudo indica, o governo tem adotado uma política de contingenciamento dos recursos do Fundeb, condicionando parte deles à distribuição de rateios vinculados ao desempenho no IDEB. Esses valores, além de excludentes, não são incorporados aos salários nem contam para fins previdenciários, o que fragiliza ainda mais a carreira docente. Paralelamente, observa-se o avanço da drenagem de recursos públicos para empresas privadas que operam no setor educacional, vendendo formações, plataformas digitais e modelos associados ao novo ensino médio. Essa lógica compromete a destinação principal do fundo, que deveria priorizar a valorização dos profissionais da educação e a melhoria das condições estruturais das escolas públicas.

Em apenas três anos de governo, Paulo Dantas já nomeou três diferentes titulares para a Secretaria de Estado da Educação de Alagoas, revelando instabilidade na condução da política educacional. A passagem de Rafael Brito, seguida por Marcius Beltrão e, posteriormente, por Roseane Vasconcelos, evidencia não apenas a ausência de continuidade, mas também a fragilidade do projeto estratégico para a área. Cada gestão trouxe mudanças de foco, prioridade e abordagem, comprometendo a construção de um diálogo institucional sólido com a categoria e dificultando a consolidação de políticas estruturantes. Essa oscilação compromete a previsibilidade e o compromisso com pautas históricas da educação pública alagoana.

Com a deflagração da greve, o governo adotou uma estratégia de negação. Ignorou a paralisação, manteve o discurso oficial de normalidade, orientou direções escolares a agir com repressão simbólica e recorreu ao Judiciário para declarar a greve ilegal após 15 dias de paralisação. A decisão judicial, baseada em fundamentos frágeis, foi seguida por tentativas de intimidação, como orientações extraoficiais para registrar faltas dos grevistas e condicionar o pagamento à reposição. O governo nega autoria, mas o assédio institucional cresce a cada semana.

Os avanços apresentados até agora são ínfimos. O governo retomou pontos da greve de 2023, como pequenos reajustes no auxílio alimentação e difícil acesso, liberação de progressões e pagamento de precatórios do Fundef. Da pauta apresentada neste ano, praticamente nada foi atendido de forma concreta. Até o momento, os únicos pontos com algum avanço foram a derrubada da trava de progressão e um reajuste no auxílio alimentação, que ficou limitado a até nove reais, valor considerado insuficiente diante das demandas da categoria.

E a pauta é extensa e legítima: reajuste salarial, valorização do auxílio alimentação, fim da trava de progressão do nível I para o IV, gestão democrática, equiparação dos proventos de aposentados, melhoria da infraestrutura, transporte escolar, contratação de auxiliares para estudantes com deficiência, realização de concursos públicos e de remoção, convênios com redes municipais, saúde do trabalhador, formação continuada, disciplina de espanhol, dedicação exclusiva e redução da carga horária para mestres e doutores, entre outros pontos.

Outro elemento importante na conjuntura da greve é a situação dos professores contratados. O governo tem explorado a distinção entre efetivos e temporários como estratégia de divisão interna da categoria. Logo após a deflagração da greve, circularam mensagens e áudios atribuídos a um suposto presidente do Sindicato dos Professores Contratados do Estado de Alagoas - Sinprocorpal, um “sindicato” que se apresenta como representante exclusivo dos professores contratados da rede estadual. Esse suposto dirigente, sem qualquer deliberação conhecida em assembleia, se antecipou ao próprio governo ao desmobilizar os contratados, afirmando que haveria corte de ponto para quem aderisse à greve. Até o momento, não há evidências de funcionamento democrático, legal ou representativo dessa entidade, cujos posicionamentos têm sido sistematicamente contrários ao movimento dos educadores. O Sinteal, por sua vez, reafirma que representa também os professores contratados e convocou todos à greve. No entanto, muitos desses profissionais relatam insegurança, sobretudo diante da pressão das gestões escolares, que reforçam a ameaça de corte de ponto.

Em várias unidades, a tentativa de manter as escolas formalmente abertas tem levado à simulação de um calendário com aulas ministradas exclusivamente por professores contratados e bolsistas vinculados ao programa "Professor Mentor". Esse programa, que concede bolsas a determinados docentes para atuação em projetos complementares, tem gerado novas divisões internas. Durante a greve, há relatos de coerção para que esses professores mantenham atividades, como a disciplina de Projeto de Vida, sob pena de perderem a bolsa. Com isso, a política de incentivo se transforma em instrumento de fragilização da mobilização, reforçando a fragmentação da categoria e comprometendo a unidade necessária à luta coletiva.

A maior base do funcionalismo público estadual está em greve. Parte da base tem expressado, de forma legítima, uma percepção crítica sobre a diferença de postura da direção sindical nas greves deste ano. No início do confronto com a Prefeitura de Maceió, comandada por JHC (PL), o Sinteal adotou uma atuação mais intensa, com vigílias prolongadas, atos frequentes e ampla mobilização midiática. Já diante do governo estadual, o tom tem sido mais institucional e contido. Embora essa diferença não seja o eixo central da mobilização, ela precisa ser debatida com maturidade, pois diz respeito à coerência e à unidade do movimento sindical.

Nesse contexto, é importante reconhecer que o Partido dos Trabalhadores (PT), que passou recentemente por um intenso processo de eleições internas, mantém forte presença na direção do sindicato e ocupa espaços estratégicos no governo estadual. Parte significativa da militância petista na educação tem atuado de forma engajada na greve e contribuído com a mobilização. No entanto, é comum que os compromissos partidários e os acordos políticos estabelecidos com o governo aliado acabem, ainda que involuntariamente, enfraquecendo certas lutas. Cabe à direção sindical estar atenta a essa percepção da base e zelar pela autonomia e firmeza do movimento, especialmente em momentos decisivos como o atual.

Partidos e coletivos de esquerda têm se posicionado com clareza. O PSOL Alagoas afirmou, em nota, que o governo Paulo Dantas precisa respeitar os educadores com orçamento, estrutura e dignidade, não com retórica vazia. O PCB denunciou o desmonte planejado da educação pública e os contratos firmados com empresas privadas em detrimento das condições de trabalho nas escolas. A Unidade Popular (UP) tem atuado na base da categoria, organizando núcleos de resistência e reforçando a mobilização. O Coletivo Educação Não é Mercadoria, formado por educadores e educadoras de diversas regiões do estado, divulgou um manifesto contundente denunciando o assédio institucional, o esvaziamento da gestão democrática e o abandono das escolas.

Em meio às tentativas de desmobilização, um elemento novo e potente emergiu para fortalecer a luta: a mobilização autônoma dos estudantes gremistas não cooptados, de diversas escolas, que têm se articulado em apoio à greve. Demonstrando maturidade política e compromisso com a escola pública, esses jovens não apenas defendem suas pautas específicas, mas também as conectam de forma orgânica à pauta central da mobilização. Esse gesto reafirma o caráter pedagógico da luta: a greve, além de legítima e necessária, é profundamente formativa.

A greve segue. Com ela, segue também o enfrentamento contra um projeto de governo que despreza o diálogo e aposta na repressão. Nenhum direito foi conquistado sem luta. E toda tentativa de silenciar a greve apenas comprova sua força.

A resposta da categoria está nas ruas, nas assembleias, nos corredores das escolas. Agora é o governo que precisa responder com respeito, recursos e transparência.