Vivendo em um mundo cercado por telas, a cada dia está mais difícil estabelecer relações emocionais com outros seres humanos. Conectados na internet e desconectados da realidade, temos uma geração de crianças e adolescentes imersa nas redes sociais, cada um com seus fones, nos smartphones, conversando com pessoas a quilômetros de distância e esquecendo de dar atenção a quem está ao lado.
Conforme dados da pesquisa TIC Kids Online Brasil 2024, 94% das crianças e adolescentes brasileiros entre 9 e 17 anos utilizam a internet. Os dados preocupam a população devido aos prejuízos que o acesso precoce às telas pode causar no desenvolvimento infantil.
Em entrevista ao Cada Minuto, a Neuropsicóloga Clínica Infantil Maria Alice Leão alerta que o uso excessivo de telas afeta o desenvolvimento emocional ou cognitivo das crianças.

Ela explica que, ao comprometer a aprendizagem das crianças, prejudica tanto o desempenho escolar quanto o desenvolvimento cognitivo esperado para a faixa etária. “A absorção de aprendizagem da criança que faz uso excessivo de tela é sempre inferior ao esperado para a sua idade. Por mais que achem aqueles dedinhos rápidos, para o que se realmente precisa aprender há uma repulsa, pois estão condicionados a se limitar apenas ao que estão visualizando naquele momento, e todas as outras informações são chatas e desnecessárias.”
No aspecto emocional, os impactos também são significativos. A especialista observa um aumento na irritabilidade, baixa tolerância à frustração e carência afetiva entre os pequenos. Segundo ela, “elas se escondem atrás de um ‘não quero’, ‘não posso’, ‘agora não’, tudo muitas vezes por serem vulneráveis e não quererem mostrar essas vulnerabilidades e se expor emocionalmente, pois não há um controle das emoções.”
De acordo com a neuropsicóloga, esse mal hábito têm deixado as crianças frustradas, sem iniciativa, sem criatividade, sem conseguir manter uma interação social por um tempo sadio para a idade, além da falta de empatia, por começarem a se sentir no centro e não se preocupar com os outros.
No entanto, o problema disso não é culpa das crianças, e sim dos responsáveis. “Começa na falta de paciência dos adultos, que se sobrecarregam durante o dia e não conseguem dar a atenção que as crianças precisam e, para não dar atenção, dão as telas para ‘terem paz’.”
Contra a maré
Mesmo em um mundo conectado há quem decida nadar contra a maré, como é o caso de Ingrid Nascimento, mãe de Ryan de 12 anos que decidiu que ele teria acesso restrito às telas. “Acredito que ele está muito bem encaminhado seguindo um fluxo contrário do que a maioria das crianças atualmente. Tem uma excelente habilidade de comunicação e socialização”, explica a profissional de educação física e instrutora de Jiu-Jitsu.

O garoto chegou a ganhar um celular de presente da avó quando tinha dez anos, mas percebeu que não era algo que fazia bem. “Ele mesmo consegue enxergar a diferença no comportamento dele e de algumas crianças que desenvolveram uma certa dependência do celular. As crianças ainda não desenvolveram por completo o senso de certo, errado, tampouco a temperança para lidar com situações propícias a vícios que são o caso das telas”, relata.
O uso de telas do filho atualmente está restrito a reuniões de família para assistir filmes ou séries e Instagram raras vezes, porém no celular de Ingrid e com a supervisão dela. Apesar das restrições, o menino lida com tranquilidade com a decisão dos pais e utiliza o tempo para desenvolver outras atividades.
“Ele sabe que não ajudaria na evolução dele e entende a orientação. A gente conversa muito. Ele tem uma rotina bem cheia. Pratica atividades físicas: jiu-jitsu, treino de força, aula de teclado, auxilia no CT e ainda tem as demandas da escola.”, enfatiza.
Maria Alice Leão, além de ser neuropsicóloga clínica infantil, também vive essa realidade dentro de casa como mãe de dois meninos, João e Miguel. Na casa dela, as telas são utilizadas o mínimo possível e sempre sob supervisão. Porém, o que gostam mesmo é de fazer atividades juntos. “Eles usam, mas com supervisão, orientação e tempo. Deixo eles com as telas o mínimo possível. A gente pinta, desenha, corre, desenvolve a criatividade, entre outras brincadeiras.”

“Eu acredito que conflitos sempre irão existir por termos opiniões diferentes, mas limites pré-estabelecidos e cumpridos podem auxiliar na compreensão de mundo da criança, fazendo com que ela aprenda a dividir o tempo: acordar, estudar, brincar, almoçar, reforço, algum esporte, organizar suas coisas, brincar, jantar, se ajeitar e dormir. Dizer que não haverá uso de algum tipo de tela chega a ser hipocrisia, mas o mínimo possível pode auxiliar muito”, conclui.
*Estagiária sob supervisão da editoria