O que por meses circulou como especulação nos bastidores da política alagoana ganhou contornos oficiais nos últimos dias. A nomeação de Marluce Caldas ao Superior Tribunal de Justiça não é um episódio isolado, tampouco mero aceno técnico. Representa o elo mais visível de um arranjo político cuidadosamente orquestrado envolvendo Lula (PT), Arthur Lira (PP), Renan Calheiros (MDB), Renan Filho (MDB) e JHC (PL), com vistas à reorganização das forças de poder no estado até 2026.
O roteiro é evidente. Arthur Lira e Renan Calheiros caminham para disputar o Senado, Renan Filho se reposiciona como candidato ao governo e JHC conclui seu mandato em Maceió, fora da disputa estadual. Cada peça se acomoda. Cada biografia é poupada. O sistema se preserva. A operação, disfarçada de pragmatismo republicano, é na verdade a reafirmação da velha política de coalizão entre elites “rivais”, uma aliança selada pela conveniência e mantida pela ausência de confronto.
O silêncio da esquerda diante desse processo é ensurdecedor. Nenhuma manifestação pública, nenhuma nota de repúdio, nenhuma discordância audível. O recente Processo de Eleições Diretas (PED) realizado pelo Partido dos Trabalhadores, marcado por discursos de renovação, não foi seguido de qualquer posicionamento sobre o acordo que envolve atores centrais do conservadorismo alagoano com a chancela do Presidente Lula. Tampouco outras siglas de esquerda se colocaram de forma crítica. A política institucional segue funcionando sob a lógica da estabilidade, mesmo quando o preço é a renúncia simbólica ao enfrentamento dos grupos hegemônicos.
Essa ausência de dissenso não deve ser confundida com apoio. Pode ser o reflexo de uma tática, de um cálculo eleitoral pragmático ou, em muitos casos, da fragilidade crônica das estruturas partidárias locais. Mas o resultado é o mesmo: o pacto se consolida sem resistência pública e a engenharia do poder opera com fluidez absoluta.
Mais do que uma articulação de bastidores, a nomeação de Marluce Caldas, tia do prefeito de Maceió, ao STJ revela a força e a continuidade de uma lógica oligárquica que, em Alagoas, se reinventa para permanecer. Uma lógica que independe de partidos, de ideologias ou de conjunturas. Ela se sustenta na capacidade de recompor alianças e silenciar contradições.
Se há incômodo real dentro da esquerda, ele ainda não se traduziu em ação política visível. E talvez esse seja o aspecto mais revelador de todo o episódio. O silêncio já não parece ser apenas fruto de uma correlação de forças desfavorável em relação a extrema-direita, mas sim expressão de uma adesão silente e por vezes resignada à lógica da governabilidade como horizonte máximo da ação política. Em alguns casos, o que se vê é a negligência pura, um distanciamento quase desdenhoso do papel que as disputas eleitorais exercem na luta simbólica e na disputa de narrativas no imaginário coletivo. A política eleitoral, nesse cenário, vira um detalhe menor diante de agendas abstratas ou de discursos moralizantes que, na prática, pouco interferem na realidade.
Esse silêncio não é apenas da esquerda institucional. É também da esquerda mais crítica e engajada, das lideranças, dos intelectuais, dos movimentos sociais e das vozes que, em outros contextos, estariam denunciando o avanço das forças conservadoras e o fechamento do horizonte democrático, conclamando a unidade como forma de resistência. Quando até a divergência se cala, o pacto triunfa sem esforço.