Não há racha declarado. Mas negar que existam tensões no interior do grupo político liderado por Renan Calheiros (MDB) é ignorar sinais que se acumulam discretamente. Ele ainda opera como o grande comandante do MDB em Alagoas, mas os tempos mudaram e o jogo político também.
Hoje, figuras como Paulo Dantas (MDB) e Marcelo Victor (MDB) não são tratáveis como foram, em outro momento, lideranças como Luciano Barbosa (MDB). Ambos possuem base própria, protagonismo e ambições que ultrapassam o papel de coadjuvantes num projeto personalista dos Calheiros. Já não se trata de fidelidade cega, mas de um equilíbrio de forças que exige cálculo e negociação constante.
Nesse cenário, o movimento de aproximação com JHC (PL), especialmente em torno da indicação de Marluce Caldas ao STJ, parente próxima do prefeito de Maceió, foi interpretado por muitos como um gesto ousado. O gesto dividiu bastidores, incomodou aliados e, ainda assim, avançou. E chama atenção principalmente agora, após os Calheiros terem tensionado ao máximo na eleição para a prefeitura de Maceió, impondo o nome de Rafael Brito (MDB) goela abaixo e esticando a corda com JHC o quanto foi possível. Nem Paulo Dantas, tampouco Marcelo Victor viam sentido em gastar capital político e recursos em uma eleição cuja derrota era certa e em que seguir tensionando com o prefeito da capital soava como um erro estratégico. Ainda assim, fizeram o dever de casa e encararam o enfrentamento possível, muito mais por insistência pessoal de Renan Calheiros do que por convencimento do grupo. O mesmo Renan que, agora, inacreditavelmente, muda completamente de postura e passa a fazer gracejos junto a JHC, defendendo com entusiasmo a indicação de sua tia para o STJ. Sinal de que Renan, mesmo cercado de resistências, continua jogando em múltiplos tabuleiros.
O desconforto gerado por essa articulação não é sinal de ruptura imediata, mas acende alertas importantes. Contrariar aliados não é novidade na política, mas há uma diferença entre contrariar e ignorar. Quando se desconsidera o acúmulo de insatisfações, o risco de uma “implosão” silenciosa se torna real.
Além disso, o movimento reorganiza o campo de forças para 2026. A aproximação entre MDB e o núcleo familiar de JHC pode reconfigurar alianças, isolar antigos parceiros estratégicos e reposicionar peças na disputa pelo Senado, pela Prefeitura de Maceió e até pelo Governo do Estado. A simples sinalização de diálogo com antigos adversários já é suficiente para deslocar o eixo das articulações.
O que também chama atenção, nesse cenário, é a ausência de outros atores com capacidade real de protagonismo no campo progressista e de esquerda. Falta quem denuncie com força as manobras de bastidor, quem conteste de forma estratégica os acordos entre oligarquias que se perpetuam alternando peças, mas mantendo intactos seus privilégios, interesses e o controle sobre o poder político, econômico e social em Alagoas.
Falta sobretudo um interlocutor e um grupo político que deseje de fato romper com esse modelo, que se disponha a organizar o debate público e contribuir com a comunicação local na construção de uma outra Alagoas possível. Essa ruptura começa por uma nova narrativa política, que enfrente a naturalização das estruturas de poder e coloque em disputa não apenas nomes, mas projetos de sociedade.
A tensão está sob controle, mas ela existe. E quem acompanha a política alagoana com atenção sabe que nem toda implosão começa com um rompimento público. Às vezes, basta uma sequência de sinais ignorados e um detonador externo. De dentro do próprio grupo, dificilmente alguém ousará acionar o colapso. Mas, se houvesse uma esquerda atenta, articulada e arguta, essa e outras tensões já estariam no centro do debate público, expostas como evidência de um modelo em exaustão.