A Quadrilha Junina foi oficializada como manifestação da cultura nacional em 24 de junho de 2024, com a sanção da Lei 14.900. Presente no Brasil desde o século XIX, a quadrilha continua sendo uma das expressões culturais mais populares do país. Com danças, encenações, trajes típicos e muito brilho, ela encanta e dá vida às festas juninas em todas as regiões, celebrando tradição, identidade e alegria.

Em União dos Palmares, na Zona da Mata do estado, um grupo de jovens vem mantendo essa cultura popular viva nos meses de junho e julho. Na reportagem também traremos uma entrevista exclusiva com a quadrilha seis vezes campeã alagoana, o grupo Amanhecer no Sertão, que teve como tema este ano a violência contra a mulher.

A personagem de dourado representa Maria da Penha, a Rainha da Justiça

 

Início de um sonho

Isolda Maria participa da organização e foi uma das fundadoras do grupo Encanto Nordestino. “Foi muito do nada. Victor (coreógrafo) falou comigo, tivemos duas semanas pra fazer tudo. Conseguimos pessoas para dançar, criamos o Instagram, nos organizamos para ensaiar chovendo ou não. De início, fomos só nós dois, e dou todos os créditos a ele. Digo que eu só ajudei uma pessoa que eu gosto muito a realizar um sonho”, destacou a estudante.

Isolda é uma das fundadoras da Encanto Nordestino

 

Victor Veras explica que a quadrilha surgiu após os alunos da escola em que ele ensinava decidirem organizá-la.  Ao ser questionado sobre o processo de criação das coreografias, ele explica que dança desde pequeno e que a inspiração vem de acordo com a música e as batidas.

Criação da coreografia

“A elaboração dos passos vem da mente. Eu crio tudo ao vivo e na hora, de acordo com a letra da música e os toques. A paixão pela quadrilha vem da escola. A arte e o amor é o que nos motiva a participar”, enfatizou o coreógrafo.

De acordo com os organizadores, os ensaios são cansativos, mas ao mesmo tempo divertidos. “Ninguém na junina é obrigado a dançar, como nas escolas, por nota, por exemplo, mas sim por gosto, porque ama dançar, ama as festas juninas. É o que torna mais bonito”, continua Isolda.

“Que os jovens participem e procurem entender sobre a cultura do nosso Nordeste, que é rica. A Encanto Nordestino tem esse nome porque queremos encantar, e sabemos que podemos fazer isso. A cultura do nosso país é encantadora”, conclui a organizadora.

Além de coreografo Victor faz o papel de Rei do Milho

 

Quadrilha como instrumento de denúncia social


Com o tema “Até que a morte nos separe”, a quadrilha Amanhecer no Sertão falou sobre violência contra a mulher. O grupo, que surgiu na comunidade da C4, em Maceió, existe há 24 anos. Sob a presidência de Diogo Santos, e a diretoria de Bruno Melo a equipe se envolve durante o ano inteiro na produção, ensaios, roteiro, figurino, cenografia e redes sociais, para fazer o espetáculo acontecer.

“A cultura popular é uma ferramenta poderosa de comunicação. O São João é festa, é alegria, mas também pode ser espaço para refletir sobre questões sociais. Em 2025, o nosso projetista trouxe a proposta de falar sobre a violência contra a mulher. Desde o começo sabíamos que seria um tema delicado, mas urgente. Infelizmente, essa é uma realidade presente na vida de muitas mulheres, e acreditamos que é nosso papel dar visibilidade a isso por meio da arte”, explicou o diretor ao Cada Minuto.

Maria das Dores representa todas as mulheres vítimas de violência

 

Equilíbrio entre denúncia social e estética festiva

Bruno esclarece que equilibrar a denúncia social com a estética festiva da quadrilha foi um dos maiores desafios e precisaram utilizar diversos elementos para manter o equilíbrio. “Trabalhamos com muita sensibilidade para que a estética continuasse encantando, como é próprio do São João, mas que, ao mesmo tempo, não enfraquecesse a mensagem. Usamos a música, a dança, o figurino e os elementos cênicos para reforçar a narrativa. O equilíbrio veio justamente da verdade que colocamos em cada parte do espetáculo”, destacou.

A criação dos figurinos, coreografias e roteiro é toda feita dentro do grupo. A equipe conta com estilistas, costureiras e coreógrafos que trabalham de forma colaborativa. “Cada detalhe tem um propósito dentro da narrativa. É tudo muito artesanal e pensado com carinho e cuidado”, justificou.

A apresentação faz referência a muitas Marias, essa é Maria Luzia, que representa a luz da transformação

 

Os ensaios são intensos e começam com meses de antecedência. Para a apresentação deste ano, começaram em novembro e, quando a data das apresentações está se aproximando, ensaiam quase todos os dias. “O que exige mais dedicação é manter o grupo motivado, alinhado e envolvido com o tema. Como trazemos uma história que mexe com sentimentos reais, a entrega vai além da técnica”, informou.

Grito coletivo por Justiça


“A história da nossa personagem principal, Maria das Dores, representa tantas outras que sofrem caladas. O espetáculo é um grito coletivo por justiça, apoio e libertação. Mesmo em meio à festa, queremos mostrar que é possível romper o ciclo da violência e que nenhuma mulher está sozinha”, declara.

Bruno explica que foi um processo bastante cuidadoso para a montagem do roteiro e precisou de muito  estudo e sensibilidade para concretizá-lo. “Estudamos dados, conversamos com profissionais da área, ouvimos relatos e buscamos entender as várias formas de violência que afetam as mulheres. A ideia foi construir uma narrativa que respeitasse a dor real de muitas, sem romantizar, mas também sem deixar de trazer esperança.”

A quadrilha é seis vezes campeã alagoana

 

A quadrilha já tem três vídeos com mais de um milhão de visualizações, e as apresentações têm repercutido bastante nas redes sociais principalmente pala identificação do público. “A recepção foi muito emocionante. Desde os primeiros dias, o público tem se identificado profundamente com a história. Muita gente chorando, vindo falar com a gente depois. Nas redes sociais, temos centenas de mensagens, principalmente de mulheres, dizendo o quanto se sentiram representadas.

Apesar da grande visibilidade das apresentações, o diretor informa que ainda há dificuldades para conseguir patrocínios e que a maioria dos custos é coberta com recursos próprios, rifas, vendas e apoios pontuais. “Os maiores gastos são com figurinos, transporte, cenário e estrutura para os ensaios. Manter uma quadrilha, com a quantidade de envolvidos hoje, exige muito esforço coletivo”, conclui.

Quando será a próxima apresentação?


Para quem deseja ver a apresentação ao vivo e a cores e se emocionar presencialmente, a Amanhecer no Sertão vai se apresentar no Centro de Convenções (Congresso Senac) neste domingo (22), na terça-feira (24), no Hotel Salinas Maragogi, na quinta-feira (26), no ginásio do Colégio Fantástico e no sábado (28), no Lar São Domingos, as duas últimas datas para etapas do Circuito Alagoano.

Acompanhe as quadrilhas no Instagram:

@encantonordestiino

@amanhecerdosertao

*Estagiária sob supervisão da editoria