De novo, a velha imprensa mostra sua força. Uma manchete nos jornalões ainda é capaz de mudar o rumo de graves acontecimentos. Como exemplo concreto, uma capa da Veja provoca reações em cadeia e sacode o julgamento mais importante na história do país. Ao revelar gravações do tenente-coronel Mauro Cid, a revista levou o ministro Alexandre de Moraes a determinar buscas, prisões e outras medidas de urgência.

Uma consequência natural é o movimento da defesa de Bolsonaro e outros réus, na tentativa de anular a delação premiada do oficial. Essa hipótese não deve ocorrer, ao menos por agora, mas deixou de ser uma possibilidade remota. Isso não significa que a situação de Jair Messias conheça algum alívio, como ele espera. Uma coisa é uma coisa.

E outra coisa é outra coisa bem diferente. Se a delação for anulada, Cid perde os benefícios acordados. Mas as provas obtidas de modo legítimo com as informações do delator estão mantidas. Ainda assim, claro que a defesa se beneficia com o delator desmoralizado. O Jair, quem diria, não para de compartilhar a capa da Veja nas redes.

Estamos conversando sobre delação premiada e poder da imprensa, duas dimensões aqui interligadas. Nos tempos de Sergio Moro e Lava Jato, bolsonaristas rezavam todo dia pela saúde de delatores que acusavam Lula e petistas pelos males do mundo. Hoje, acusam o STF de praticar “tortura” contra o delator que denuncia Bolsonaro.

Lá atrás, petistas denunciaram em tribunais internacionais “o abuso da delação”. Consideram, agora, que está tudo dentro da ordem com essa via da justiça brasileira. Mais uma vez, o que já escrevi aqui no blog: na Lava Jato e hoje, sou contra a colaboração premiada. Esse mecanismo avacalhou todo o conjunto de investigação.

Enquanto isso, um lado acusa um consórcio de meios de imprensa para sabotar o governo. Um outro lado expõe, por A+B, o complô da grande mídia para impor essa ditadura de esquerda e reeleger o Lula. O debate sobre as falas de Mauro Cid, a capa da Veja e a validade das delações expõe essa divisão alucinada sobre um mesmo objeto.

Dias atrás, o jornalismo – num sentido bem amplo – dedicou páginas, gráficos e dancinhas para lembrar os 20 anos do mensalão. Foi uma manchete da Folha que acionou a bomba. Naquele outro mundo, a imprensa já se debatia com a perda de relevância. Em outra modulação, o antigo dilema está aí, com um futuro todo incerto.