“Estamos de mãos atadas. A gente realmente não sabe como vai ficar — se será o Estado ou a Prefeitura que vai assumir. Até agora, seguimos sem respostas. E a gente precisa delas, com certeza. Já se passaram muitos anos.” O desabafo é de Marinete Alexandre Vasco, de 70 anos, mais conhecida como ‘Nete’, permissionária e artesã no Mercado do Jaraguá, em Maceió, há mais de quatro décadas.

Como muitos trabalhadores do local, ela acompanha há anos as promessas de revitalização e transformação do espaço, mas continua à espera de respostas concretas sobre o futuro do tradicional mercado. O impasse sobre quem deve administrar o equipamento — Prefeitura de Maceió ou Governo de Alagoas — se arrasta há meses e ganhou força nos últimos dias, com a confirmação de que o governo estadual reassumirá o controle do espaço a partir de outubro.

Com a mudança, a expectativa é de que o Instituto de Desenvolvimento Rural de Alagoas (Ideral) assuma a gestão do mercado, prometendo investir em melhorias estruturais e requalificar a administração do espaço. 

Enquanto isso, também cresce a incerteza entre os permissionários, como José Carlos, de 58 anos, que atua no ramo alimentício no mercado desde os anos 1990 e vê o abandono se arrastar. “Desde que a prefeitura assumiu o comodato, há 30 anos, não houve grandes investimentos por aqui”, afirma.

Ele aponta a precariedade da infraestrutura como um dos principais problemas enfrentados: os banheiros carecem de manutenção, a acessibilidade é deficiente e o estacionamento foi drasticamente reduzido após uma obra em uma rua lateral, com a perda de mais de 40 vagas. A ventilação insuficiente completa o cenário de abandono, segundo os trabalhadores.

Dona Nete em frente a sua loja de artesanatos - Foto: Laura Gomes 

 

Transição gera dúvidas e comerciantes cobram mais diálogo

De um lado, comerciantes como Nete e José Carlos denunciam abandono, falta de infraestrutura e insegurança no Mercado do Jaraguá. Do outro, o poder público segue em disputa sobre quem deve assumir a gestão do espaço e qual será seu destino.

No último dia 6, permissionários participaram de uma reunião com o ex-deputado e atual presidente do Instituto de Desenvolvimento Rural e Abastecimento de Alagoas (Ideral), Davi Maia. O encontro, que também contou com a presença de vereadores e deputados, teve como objetivo ouvir as reivindicações e sugestões dos trabalhadores que atuam no mercado.

Na ocasião, foi apresentado o projeto de requalificação do espaço, além do cronograma da transição, que prevê que o Governo do Estado reassuma oficialmente a gestão, com o fim do contrato de cessão com a Prefeitura. Apesar das promessas de melhorias, o diálogo não agradou a todos. Nete critica o foco exclusivo na gastronomia e a ausência de propostas claras para outras atividades exercidas no local. 

“Aqui não é só gastronomia. Tem artesanato, tem cultura, tem história. Eu espero que, seja a Prefeitura ou o Estado, façam uma revitalização de verdade, que valorize o turismo e a diversidade do que existe aqui”, defende.

José Carlos reforça que houve o compromisso de novas reuniões com os permissionários para ampliar a transparência do processo. No entanto, segundo os comerciantes, a comunicação continua falha e muitas decisões seguem sendo tomadas sem consulta prévia. Eles afirmam que o clima de incerteza aumenta a cada nova notícia divulgada sobre o futuro do mercado.

 

Davi Maia em reunião com os permissionários - Foto: Assessoria

 

Indefinição sobre futuro do mercado promove embate político

A indefinição sobre o futuro do Mercado do Jaraguá também repercutiu na política local. O vereador David Empregos (União Brasil) tem criticado abertamente a forma como a transição vem sendo conduzida por Davi Maia. Para o parlamentar, há falta transparência e legitimidade no processo.

Foi o vereador quem tornou pública a notificação enviada pelo Governo do Estado aos permissionários, informando sobre a desocupação do espaço. Segundo o vereador, o conteúdo do documento exigia divulgação imediata, por seu teor grave e pelo impacto direto na vida de dezenas de trabalhadores.

“O tom da notificação era inaceitável, com prazos e ameaças de medidas coercitivas. Tem gente trabalhando ali há mais de 20 anos, sem outro lugar para ir”, afirmou. Ele também criticou a ausência de diálogo: “Não houve nenhuma reunião agendada, apenas um aviso seco para deixarem o local. Fiz o que qualquer representante do povo faria: tornei público.”

Mesmo após declarações do futuro gestor da nova Central de Abastecimento garantindo que ninguém será removido e que o mercado não será elitizado, o vereador segue desconfiado. Segundo David, as falas foram uma reação à pressão pública e não apagam o conteúdo da notificação inicial.

O vereador defende ainda a criação de uma comissão com representantes dos permissionários para acompanhar todas as etapas da reforma e se comprometeu a divulgar os avanços e decisões.

“A primeira comunicação do governo com os trabalhadores foi uma notificação de despejo. Se esse é o jeito de ‘cuidar’ de um patrimônio humano e cultural como o Mercado do Jaraguá, então a transparência passou longe”, critica.

 

Vereador David Empregos durante sessão na Câmara de Maceió - Foto: Assessoria 

 

Durante sessão na Câmara, no último dia 5 de junho, David Empregos e Allan Pierre (MDB) protagonizaram discursos acalorados com visões distintas sobre a forma como a transição tem sido conduzida. Para o vereador David, o plano esconde riscos para os atuais permissionários. 

Em pronunciamento, ele afirmou que a desocupação, embora negada publicamente, está explícita na notificação. “O próprio documento reconhece que há estabelecimentos funcionando ali, então é evidente que a ordem de desocupação se estende a esses trabalhadores.”

Em tom mais conciliador, Allan Pierre rebateu as críticas e defendeu a importância do diálogo institucional. Para ele, a prioridade deve ser garantir a permanência dos trabalhadores e a revitalização do espaço, independentemente de quem o administre.

O vereador também fez um apelo pela cooperação entre as esferas de poder. “Se o Estado assumir, que faça com responsabilidade. Se a Prefeitura continuar, que invista. O importante é manter o mercado funcionando e respeitar quem trabalha lá. Minha bandeira é Maceió, e para defender essa cidade, eu sento com quem for necessário.”

Projeto de revitalização será construído com trabalhadores, diz presidente do Ideral

O presidente do Ideral, Davi Maia, defende o diálogo com os comerciantes e afirma que o projeto de revitalização do mercado será construído com a participação direta dos trabalhadores do local. Em entrevista ao CadaMinuto, Maia destaca que já existe um pré-projeto para o espaço, mas que o momento atual é de transição para a fase executiva.

“Existe um pré-projeto, mas agora estamos iniciando a etapa executiva. O primeiro passo é o diálogo com os permissionários, para que o projeto seja construído com a participação de todos”, explica.

Segundo ele, o novo mercado precisa ser pensado como um equipamento turístico e cultural que dialogue com a população local e os visitantes. “O projeto é transversal. Tem que envolver todos os setores para que seja atrativo tanto para o alagoano quanto para os turistas que visitam Maceió — e, infelizmente, hoje os nossos mercados passam longe disso”, avalia.

Maia também reconhece os problemas estruturais enfrentados atualmente no local. Para ele, o calor excessivo é um dos pontos mais críticos. “Quem frequenta o mercado percebe isso com pouco tempo. Sem falar na limpeza e no risco de receber um ‘presente’ dos pombos que ficam sobrevoando”, comenta, em tom crítico.

Ao ser questionado sobre as críticas de parlamentares e a insegurança manifestada por alguns permissionários, Davi rebate alegando que houve desinformação e alarde desnecessário. “Foi feito um terrorismo e espalhado o medo lá dentro, o que gerou todo esse pânico. Afinal, há pessoas ali com 30 anos de trabalho”, pontua.

Ele também destaca que, com o apoio de vereadores como Milton Ronalsa (PSB), Alan Pierre (MDB) e Silvio Camelo Filho (PV), além dos deputados Silvio Camelo (PV) e Dudu Ronalsa (MDB), foi possível estabelecer um ambiente de escuta e cooperação. “Com a ajuda deles, criamos uma mesa de conversa e um grupo de trabalho para discutir o futuro do mercado”, disse.

Maia citou ainda o modelo de gestão do Ceasa como exemplo do que pretende implantar no Mercado do Jaraguá. Segundo ele, o tratamento dado aos trabalhadores da Central de Abastecimento pode servir de referência.

“O que eu posso mostrar a ele [críticos] é o nosso trabalho no Ceasa e a maneira como os permissionários são tratados por nós. Eles são parceiros na construção de um novo Ceasa — e é isso que o governador Paulo [Dantas] quer no Mercado do Jaraguá”, garantiu.

O que diz a Prefeitura de Maceió

A reportagem procurou a Prefeitura de Maceió em diferentes momentos para um novo posicionamento sobre o Mercado do Jaraguá, mas não obteve resposta até o fechamento deste texto.

No último dia 5, em resposta ao blog do Ricardo Mota, a gestão informou que já havia notificado o Estado, em janeiro de 2024, sobre o interesse na renovação da cessão. Veja a nota na íntegra:

“A Secretaria de Abastecimento, Agricultura, Pesca e Aquicultura de Maceió (Semapa) informa que a licença de funcionamento do Mercado do Jaraguá expira, segundo o Estado, em outubro deste ano. O órgão reforça que em janeiro de 2024 já havia notificado o Estado, através da Companhia Alagoana de Recursos Humanos (Carhp), sobre o interesse na manutenção do contrato de cessão, mas não obteve resposta. Com isso, a secretaria foi surpreendida com o comunicado informando que o Estado não tinha interesse na nova cessão e que queria o espaço de volta.

A Semapa entende que o Mercado do Jaraguá é um espaço importante que abriga trabalhadores e é fundamental para a economia da capital.”

 

*Estagiária sob supervisão da editoria