Por que tantos adolescentes têm desistido de viver? Essa é uma pergunta dolorosa, difícil de responder, mas que vem se tornando cada vez mais urgente em Alagoas. Nos últimos cinco anos, o estado registrou um aumento de 65% nas mortes por suicídio entre jovens de 10 a 19 anos.
Esse crescimento chama atenção não só pela gravidade dos números, mas pelo que eles revelam — uma geração que cresce sem o cuidado necessário para a saúde mental, muitas vezes invisível para a sociedade e para as políticas públicas.
Os dados mais recentes, divulgados pelo Atlas da Violência 2025, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostram que essa é uma crise que vem se aprofundando ao longo da última década.
Por trás dos números, existem vidas interrompidas pelo sofrimento emocional, pela violência, pelo preconceito e pela ausência de um suporte efetivo para crianças e adolescentes.
Em dez anos, Alagoas viu o número de suicídios entre adolescentes subir 43,5%. O ano mais trágico foi 2022, quando 21 famílias perderam seus filhos para essa dor silenciosa — muitas vezes invisível para quem está ao redor. Em 2013, o número era 15, e, apesar de oscilações ao longo dos anos, nunca deixou de mostrar a persistência desse problema.
Em 2015, por exemplo, o registro foi o menor da série, com oito casos. Mas logo os números voltaram a crescer: 14 em 2016, 19 em 2020, 21 em 2022 e, no ano passado, 17 adolescentes perderam a vida dessa forma. Cada número representa uma história que ficou pela metade, sonhos que nunca chegaram a se realizar.
Essa situação em Alagoas é parte de um quadro nacional igualmente preocupante. No Brasil, o suicídio entre crianças e adolescentes de 10 a 19 anos cresceu 42,7% na última década.
Entre 2013 e 2023, quase 11,5 mil jovens se foram, mostrando que essa é uma crise que ultrapassa as estatísticas — é uma chamada urgente para repensar o cuidado, a escuta e o papel do poder público diante do sofrimento silencioso de tantas famílias.
O que fazer para mudar essa realidade?
Para mudar essa realidade, o Hospital Geral do Estado (HGE), em Maceió, conta com o Centro de Acolhimento Integrado de Prevenção e Posvenção ao Suicídio e Autolesão (CAIS), que atua na linha de frente desse cuidado.
Com uma equipe especializada e preparada para lidar com situações de extrema vulnerabilidade emocional, o serviço oferece acolhimento humanizado e acompanhamento contínuo a pacientes que enfrentam ideação suicida ou que já passaram por tentativas de autoextermínio.
Em entrevista ao portal CadaMinuto, a psicóloga e coordenadora do CAIS, Soraya Suruagy, destaca que os relatos recebidos no centro apontam para uma teia de fatores emocionais e sociais. Casos de abuso sexual, conflitos familiares, perdas significativas e lutos mal elaborados aparecem com frequência nas histórias de jovens atendidos.
Além disso, segundo a psicóloga, o ambiente digital tem contribuído para o agravamento do sofrimento mental. Ainda que os jovens nem sempre relatem diretamente o impacto das redes sociais, é possível perceber que a exposição constante à “vida perfeita” compartilhada na internet alimenta padrões inalcançáveis de sucesso e felicidade.
“Essa exposição constante reduz a tolerância ao desconforto e aumenta o sentimento de inadequação, levando a episódios de impulsividade, irritabilidade e baixa autoestima”, afirma.
O acolhimento no CAIS costuma iniciar a partir da emergência ou por regulação de outras unidades hospitalares. No primeiro contato, é realizada uma escuta empática com o paciente — quando este está em condições de se comunicar — e com seus familiares.
Nesse momento, a equipe também preenche a ficha de notificação de violência autoprovocada, que é encaminhada ao setor de Epidemiologia. Durante a internação, o paciente é acompanhado diariamente por meio de escutas e intervenções psicológicas. Paralelamente, o Serviço Social articula junto à rede pública de saúde o encaminhamento para continuidade do cuidado após a alta hospitalar.
Nos casos mais graves, os pacientes são encaminhados para avaliação imediata com psiquiatras no Hospital Portugal Ramalho, onde podem receber medicação ou ser internados para tratamento intensivo em saúde mental.
Também há articulação com Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e Unidades Básicas de Saúde (UBS), garantindo o acompanhamento fora do ambiente hospitalar.
Para além do atendimento emergencial, o CAIS desenvolve ações educativas voltadas à prevenção. A equipe realiza atividades de psicoeducação nas enfermarias do HGE, abordando temas como saúde mental, sinais de adoecimento emocional e distorções cognitivas.
Também são promovidas rodas de conversa com pacientes e acompanhantes, sob o lema: “Cuidando de quem cuida”. Os próprios servidores do hospital integram o público-alvo dessas ações, recebendo apoio psicológico e orientações para que estejam atentos aos sinais de risco entre os pacientes — e dentro de si mesmos.
Violência, redes sociais e falta de perspectiva agravam sofrimento
O aumento alarmante de 65% nas taxas de suicídio entre jovens de 10 a 19 anos em Alagoas nos últimos cinco anos é um alerta sobre o bem-estar emocional dessa população, para a psicóloga Helouise Vieira.
“Penso que o aumento das taxas de suicídio entre jovens de 10 a 19 anos em Alagoas nos últimos anos é um fenômeno complexo e multifatorial, influenciado por fatores que vão desde pressões sociais, como a falta de perspectiva de futuro, até a influência das redes sociais, que têm promovido uma cultura de superficialidade. Somam-se a isso as desigualdades socioeconômicas, a violência familiar e a falta de acesso a serviços de saúde mental”, analisou.
Ela pontua que crianças e adolescentes expostos a ambientes violentos vivem em constante estado de alerta, o que sobrecarrega o sistema nervoso central e hormonal (especialmente com o aumento do cortisol) em uma fase crucial para o neurodesenvolvimento.
Isso pode causar ansiedade crônica, insônia, irritabilidade e dificuldade de concentração, que, se não tratadas, podem evoluir para quadros de depressão, ideação suicida e tentativas de suicídio. Se negligenciadas, essas situações podem culminar no suicídio consumado.
A violência verbal, física ou psicológica constante, seja em casa ou na escola, também leva a criança a internalizar uma autoimagem negativa, gerando pensamentos como: 'Não sou bom o bastante', 'Ninguém se importa comigo', 'O problema sou eu'.
“Esses pensamentos alimentam sentimentos de culpa, vergonha e autodepreciação, que são gatilhos clássicos para o suicídio”, disse Helouise, citando alguns sinais de alerta.
“Mudanças bruscas de comportamento, principalmente relacionadas à tristeza persistente ou desânimo. Quando o adolescente perde interesse, de forma repentina, por atividades que antes lhe davam prazer, isso é um sinal de alerta. Os responsáveis devem estar atentos e buscar ajuda profissional o quanto antes, sem minimizar esses sintomas”, destaca.
Para a profissional, é necessário um melhor aproveitamento dos programas de saúde já existentes. O Sistema Único de Saúde (SUS) desenvolve diversas ações e programas de prevenção do sofrimento psíquico e do suicídio entre crianças, adolescentes e adultos.
Ainda de acordo com a especialista, esses programas, organizados desde a atenção básica até a saúde mental especializada, fazem parte das políticas públicas de saúde mental no Brasil, no entanto, “são muitas vezes negligenciados pelos governos, o que impede que as campanhas e ações tenham o alcance necessário para atingir, de fato, quem mais precisa”.
O estigma em torno da saúde mental é uma das maiores barreiras para que adolescentes reconheçam seu sofrimento e busquem ajuda, segundo Helouise. Esse preconceito, muitas vezes invisível, silencioso e cultural, pode causar vergonha, medo e isolamento, mesmo quando o sofrimento é intenso. Jovens tendem a sofrer muito mais com a influência externa, uma vez que ainda estão em uma fase de suma importância para a formação da personalidade.
“O receio de julgamento e exclusão faz com que adolescentes evitem procurar apoio, com medo de serem rotulados como ‘fracos’, ‘loucos’ ou ‘problemáticos’. Além disso, há o risco de serem ridicularizados pelos colegas ou desvalorizados pela própria família, o que pode levá-los a se enxergar como alguém ‘com defeito’. Esse ciclo de estigmatização tende a agravar os sintomas e, como demonstram os dados alarmantes, pode resultar nos piores desfechos”, pontuou.
*Colaboradora