Falar em vitórias da esquerda em Alagoas é, quase sempre, falar de exceções. Em um estado onde o poder se reproduz há décadas sob o comando de oligarquias violentas e persistentes, o campo progressista só conseguiu avançar, e por pouco tempo, em contextos de crise, colapso governamental ou cisões momentâneas na unidade dessas elites. A década de 1990 foi o único período, no século XX, em que a esquerda alagoana conquistou vitórias expressivas para o Executivo, tanto municipal quanto estadual. Mas tudo isso se deu em condições absolutamente excepcionais.
O primeiro marco se deu em 1992. Em meio ao colapso político que resultou no impeachment de Fernando Collor, Alagoas presenciou uma rara brecha no domínio oligárquico. A evidente incapacidade das elites locais em apresentar alternativas eleitorais viáveis abriu espaço para o inesperado: a vitória de Ronaldo Lessa (PSB), então vereador com baixa intenção de votos no início da campanha, e de Heloísa Helena (PT), na disputa pela Prefeitura de Maceió.
Foi uma vitória simbólica e disruptiva, num ambiente politicamente inflamado, no qual Collor, principal expressão da elite alagoana, caía em desgraça. Essa vitória só foi possível porque o poder político tradicional estava profundamente fragilizado, e os principais porta-vozes das oligarquias já não conseguiam sustentar suas narrativas fantasiosas. Lessa e Heloísa, prefeito e vice, representaram a possibilidade concreta de um governo voltado para as demandas populares, ainda que condicionados pelas estruturas institucionais herdadas.
Dois anos depois, em 1994, Heloísa Helena se elege deputada estadual e passa a ter papel central na articulação das lutas sociais, atuando com firmeza na Assembleia Legislativa. Sua voz foi uma das mais combativas durante a grave crise de 1997, quando servidores estaduais chegaram a passar até dez meses sem salários. Professores, policiais e profissionais da saúde enfrentaram não apenas a escassez, mas também a humilhação. O Estado entrou em colapso e o governo de Divaldo Suruagy acabou ruindo, com sua renúncia. Nesse vácuo de poder e legitimidade, a esquerda encontrou nova brecha.
Antes disso, em 1996, ocorreu um episódio emblemático: duas mulheres progressistas disputaram o segundo turno pela Prefeitura de Maceió. Kátia Born (PSB) e apoiada por Ronaldo Lessa, enfrentou Heloísa Helena. Foi a primeira vez que duas candidaturas femininas de esquerda polarizaram uma eleição majoritária na capital. Kátia venceu, tornando-se a primeira prefeita eleita de Maceió e consolidando, ainda que brevemente, uma linha de continuidade com o ciclo iniciado em 1992.
A culminância desse ciclo ocorreu em 1998, consolidando a segunda grande brecha político-eleitoral aberta em 1992 e aprofundada pelas tensões de 1997. Ronaldo Lessa foi eleito governador de Alagoas; Heloísa Helena, senadora da República. Ambos, representantes do campo progressista, chegaram ao topo em meio a um cenário de desespero social e esgotamento das elites tradicionais.
Ao todo, foram seis vitórias expressivas nos anos 1990: Lessa e Heloísa na Prefeitura de Maceió em 1992, Heloísa deputada estadual em 1994, Kátia Born prefeita em 1996, Paulão (PT) vereador em 1996 e deputado estadual em 1998, além de Lessa governador e Heloísa senadora da República no mesmo ano.
Passadas mais de duas décadas, o que se vê é o retorno e a permanência das oligarquias. As vitórias progressistas dos anos 1990 não foram fruto de uma construção orgânica contínua, mas da combinação entre o colapso representativo do sistema e a emergência de lideranças com forte capital simbólico. Em Alagoas, a esquerda só chegou ao Executivo quando as estruturas tradicionais estavam abaladas, doentes, expostas. Foi quando tudo quase quebrou que surgiram frestas suficientes para outros projetos políticos ocuparem o centro da cena.
Hoje, aquelas vitórias parecem tão distantes quanto improváveis. E é justamente por isso que merecem ser lembradas, não como ato de nostalgia, mas como exercício de análise política. Em Alagoas, o poder raramente muda de mãos. Quando muda, é porque as mãos que o seguravam perderam o controle, mesmo que por instantes.
De todo modo, os protagonistas daquele ciclo progressista dos anos 1990 seguiram rumos distintos. Em breve, pretendo retomar essa reflexão em novos textos, analisando as trajetórias que Ronaldo Lessa, Kátia Born, Heloísa Helena e, em menor medida, Paulão percorreram desde então e o lugar que ocupam hoje no cenário político. Cada um, à sua maneira, representa não apenas um tempo que passou, mas também o contexto histórico e as decisões que definiram os limites e delinearam as possibilidades da esquerda em Alagoas desde então.