Em entrevista ao Valor Econômico, o presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, afirmou que há uma “escassez extraordinária de lideranças jovens na esquerda”. A declaração chama atenção, mas revela mais sobre a lógica interna dos partidos do que sobre a juventude em si. A ausência de renovação nas cúpulas não é culpa da base. É consequência direta da forma como as estruturas partidárias continuam operando: fechadas, centralizadas e resistentes à diversidade real.
A juventude está nas ruas, nas grotas, nas ocupações, nas universidades, nas redes e nas periferias. Há milhares de jovens lideranças surgindo em movimentos negros, indígenas, feministas, LGBTQIAPN+, de juventude popular e estudantil. Lideranças que organizam protestos, ocupam escolas, constroem redes de cuidado, enfrentam a violência policial, combatem a fome e articulam cultura, arte e política todos os dias em territórios onde o Estado não chega. O que falta não são lideranças. Falta escuta. Falta espaço real. Falta vontade política para que essas vozes cheguem aos espaços de decisão.
O próprio Manifesto e Programa do PSB, aprovado em 2022, reconhece que “mesmo a esquerda (...) não modernizou a prática política” e que “parte dela aderiu às formas tradicionais de realizar alianças, por meio do corporativismo, do patrimonialismo, da fisiologia e da corrupção”. Está dito, com clareza. O problema não está na juventude, está na estrutura.
Não por acaso, o exemplo citado como renovação por Siqueira é João Campos, neto de Miguel Arraes e filho de Eduardo Campos. A sucessão familiar é vendida como “novidade”. Em Alagoas, desde 2023, o PSB estadual está nas mãos da filha do governador Paulo Dantas, filiado ao MDB e aliado dos Calheiros. É difícil falar em renovação quando o partido, na prática, opera como extensão de um projeto de poder tradicional.
Esse cenário não é exclusividade do PSB, mas o partido carrega a responsabilidade de quem afirma estar comprometido com um “socialismo criativo”, com uma “autorreforma” e com um “projeto radicalmente democrático”. Se é assim, precisa começar por reconhecer que juventude não é sinônimo de sobrenome. E que as lideranças que importam, hoje, não estão apenas em gabinetes nem nas dinastias partidárias. Estão nas vielas, nos cursinhos populares, nas ocupações urbanas, nas aldeias e quilombos, nas redes de mobilização do semiárido, nos coletivos culturais que sobrevivem com quase nada.
A esquerda precisa parar de procurar lideranças jovens que apenas reproduzam seu discurso. Precisa aceitar o conflito, a crítica, o incômodo que vem das margens. Se não for capaz disso, continuará refém dos seus próprios limites e se tornará irrelevante para a geração que está chegando com força, mas não com paciência para esperar ser “convidada”.
Não faltam jovens. Faltam partidos dispostos a abrir mão do controle, a democratizar suas estruturas e a disputar o país com quem já está nas trincheiras reais da desigualdade.
Enquanto isso não mudar, qualquer discurso sobre escassez de lideranças será apenas uma cortina de fumaça para encobrir a falta de coragem política nas cúpulas ou, pior, para disfarçar o fato de que na prática só interessam as lideranças com sobrenome.