A busca de respostas sobre os possíveis desdobramentos políticos, econômicos e diplomáticos da eleição de Donald Trump para presidência dos Estados Unidos em relação ao Brasil, o CadaMinuto conversou com o economista Jarpa Aramis e com o cientista político Ranulfo Paranhos sobre o assunto. Em linhas gerais, os especialistas analisam que a política protecionista do novo presidente americano pode afetar nossa economia, mas um dos desafios do país é não “escolher” entre EUA e China.
Explicando que “a principal orientação política e econômica que Donald Trump implementou, desde o primeiro mandato, é de uma postura mais protecionista, o que impacta diretamente setores no Brasil”, Jarpa Aramis explica que essa postura envolve "um aumento decrescente de tarifas sobre as importações, e, com tarifas mais altas nos Estados Unidos, a demanda por produtos brasileiros, especialmente no caso de commodities agrícolas e minerais, reduz, o que afeta a nossa balança comercial”.
Sobre a política monetária, o economista sabe que “há uma grande possibilidade dos Estados Unidos aumentarem suas taxas de juros para conter a inflação, decorrente dessa política protecionista. Isso deve levar o Banco Central do Brasil a ajustar sua própria taxa de juros para evitar a fuga de capitais e controlar a inflação doméstica”.
“Outro ponto são as políticas comerciais muito mais violentas, agressivas, e aí os investidores estrangeiros têm mais cautela no momento de colocar o seu dinheiro. Então, provavelmente, a gente terá uma redução do fluxo de capital que vem de fora. E aí, setores como infraestrutura e energia, podem ser afetados, evidentemente. Isso no curto prazo, não é mais no médio e no longo prazo e isso pode afetar a economia brasileira”.
Contudo, ele também vê oportunidades: “Desde o primeiro mandato, Trump mantém uma postura de debate com a China. Caso ele se intensifique essa posição, isso poderá abrir espaço para o mercado brasileiro, especialmente no setor agrícola. No entanto, é importante considerar a volatilidade e a oscilação nos preços das commodities”.
Por fim, Aramis relatou que, de forma geral, a retomada de Trump no cenário político "gera incerteza para a economia global e brasileira. Ele deve promover ajustes significativos para priorizar a economia americana, o que inclui desregulamentações e que podem desestabilizar o mercado financeiro. Faz parte do processo”, concluiu.
“Extrema-direita brasileira”
Ranulfo Paranhos, cientista político, doutor em Ciência Política e professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), prevê, com a vitória de Trump, pelo menos quatro possibilidades no horizonte em relação à América Latina, ao mundo e ao Brasil.
A primeira dessas possibilidades é que a vitória de Trump pode resultar em um maior isolamento ideológico do Brasil. Porque, do ponto de vista das relações diplomáticas Brasil-Estados Unidos, uma coisa é governo Lula e governo Joe Biden, a outra coisa é governo Lula e governo Donald Trump.
“Acho que, do ponto de vista da América Latina, haverá uma forçação de barra para que o Brasil ou pelo menos o governo Lula abandone mais esse discurso tão de esquerda e se alinhe mais ao discurso do governo Trump”, destacou Ranulfo, acrescentando que as negociações com o Brasil podem ser mais desafiadoras, visto o poder dos EUA na correlação de forças.
“Como é que o Brasil vai conduzir essa relação agora com o governo Trump, visto que ele é um representante de uma direita e de uma extrema-direita, enquanto que o Brasil, o governo Lula, se posiciona, no máximo, como um centro e como um centro-esquerda, mas é vendido como alguém da esquerda? Essa retórica nacionalista e as políticas anti-esquerda do Trump podem dificultar, inclusive, a defesa das instituições democráticas brasileiras. E isso funciona também como argumento ou alimento ou um instrumento para revigorar essa nova extrema-direita brasileira”, prosseguiu.
Ele reforça que a relação entre EUA e Brasil deve se tornar mais tensa, porque Trump vai pressionar o Brasil a se alinhar a políticas mais rigorosas, por exemplo, em relação à imigração, apesar do Brasil não ser um destino tão importante para imigrantes.
“Mas, sobretudo em relação a essa postura de esquerda na América Latina, no Brasil vai acontecer uma exigência maior desse tipo, o que pode complicar o diálogo regional. O Brasil pode tentar, para manter com os Estados Unidos relações econômicas, relações diplomáticas, como vem tendo nos últimos anos, abandonar um pouco essa sua agenda e esse seu discurso de esquerda, para se alinhar mais aos Estados Unidos, para não perder economicamente? Acho que essa é uma questão que os próximos dois anos vão nos dar a resposta”.
Política econômica protecionista
No que diz respeito à política econômica, Ranulfo Paranhos concorda com Jarpa Aramis que o maior protecionismo para a indústria e para o mercado americano que deve ser adotado nos EUA vai dificultar a sobremaneira a exportação brasileira. “Além da ideia de criar uma política econômica protecionista à indústria norte-americana, é possível a retirada dos Estados Unidos de acordos multilaterais, ou seja, de acordos multilaterais econômicos, do chamado Acordo de Paris, e isso pode prejudicar principalmente os ambientalistas”.
Por outro lado, Ranulfo explica que a criação de barreiras protecionistas por Trump não será totalmente possível em um mundo globalizado: “Do ponto de vista prático, como é, por exemplo, que ele vai concorrer com a China em relação à produção de carro, em relação à produção de insumos para energia renovável? Tudo que você pensar hoje do parque industrial, do grande parque industrial mundial, está na China ou em países muito pobres. Por quê? Porque a mão de obra lá é muito mais barata. Porque a mão de obra nos Estados Unidos não é barata. Então, isso quer dizer que a promessa do Trump e a tentativa de criar um modelo protecionista para a sua economia pode não funcionar”.
EUA ou China?
Lembrando que o grande competidor dos Estados Unidos hoje é a China, cuja projeção para 2050 é que ultrapassará com folga os Estados Unidos do ponto de vista de PIB, produção e de consumo, ele pontua que, ainda que sejam colocados fora da equação “valores democráticos, como direitos civis, direitos humanos, direitos humanos de uma maneira geral, porque a China não é democrática, pensando unicamente do ponto de vista econômico, o retorno do Trump ao poder pode intensificar uma polarização entre Estados Unidos e China, forçando o Brasil a adotar uma posição mais clara em relação a essas duas potências”.
“Como o Brasil vai se comportar em relação a isso? É aí que está o grande desafio do Itamaraty: estabelecer uma estratégia de não fazer alinhamento exclusivo a nenhuma das superpotências, mas conseguir conduzir a nossa economia, sobretudo a nossa economia de exportação, sem fechar especificamente ou se alinhar especificamente com a China, nem se alinhar exclusivamente com os Estados Unidos. Porque o Brasil exporta commodities, mas ele exporta para a Europa, exporta para a Ásia, exporta para os Estados Unidos, para a América do Norte, mas ele não necessariamente faz acordo de alinhamento ideológico”, analisou.
“Como o Brasil vai se comportar a partir desse novo Donald Trump? porque esse novo Donald Trump que assumirá a Casa Branca não será um Donald Trump que vai pensar em concorrer à reeleição. É um Trump que vai jogar sempre no all-in, que a gente chama no poker. Ele vai jogar sempre tudo de uma só vez. Então ele deve fazer tudo ao exagero, porque não tem nada a perder mais como político. E ele não é um político tradicional”, concluiu Paranhos.