O mérito da questão é decidir, na letra da lei, o que é “um bem de natureza personalíssima”. Segundo o Tribunal de Contas da União, isso não existe no Brasil. Não há legislação que deixe tudo explicitado, preto no branco. Este foi o resultado de um julgamento que ocorreu nesta quarta-feira, 7 de agosto. A corte avaliou um caso concreto – se o presidente Lula deve ou não devolver um relógio que ganhou em 2005.
Deixemos de lado, por enquanto, o mérito do julgamento. Um dado que merece alguma reflexão é o ano citado no fim do parágrafo anterior. 2005. O país tenta resolver – agora – um evento cuja origem remonta há praticamente duas décadas. É coisa de doido. Um presente recebido pelo chefe da nação está na ordem dia, 19 anos depois. Nossa capacidade de produzir material para as Ciências Sociais é inesgotável.
Que país é este? A pergunta-clichê é um desafio que se renova todos os dias. O caso do presente para Lula não pode ser visto como algo da normalidade. É o contrário. Porque não estamos diante de uma exceção, mas de uma regra imbatível em nossa história. O Brasil tem a firme vocação para postergar soluções a demandas de qualquer tipo.
Levamos décadas para votar um projeto sobre impostos, mas também sobre reforma da Previdência, regulação de jogos ou normas de trânsito. E vai por aí. Tem alguma coisa de burocracia fatal nessa engrenagem que roda, roda, roda – e não sai do lugar. Mas a alma burocrática não explica tudo, é claro. O enigma é muito mais complexo e pavoroso.
Diante de um monstro desses, o julgamento do TCU é irrelevante. Mas vamos lá. Lula não precisa devolver o relógio que lhe foi presenteado em alguma viagem internacional. Com isso, se abre uma janela para rever o caso das joias surrupiadas por Bolsonaro.
É o que dizem especialistas do direito, segundo leio na imprensa. O debate está aberto, o tiroteio começou. Seja qual for a tese a prevalecer, o país já perdeu, esmagado por dramas e impasses que nos assombram diretamente do passado que nunca passa.