As mensagens trocadas entre Jair Bolsonaro e o filho Eduardo são de natureza exclusivamente privada ou invadem o interesse público? Após a divulgação daquela troca de gentilezas entre os dois, bolsonaristas recorreram à seguinte linha de defesa: a Polícia Federal divulgou conversas íntimas, que nada têm a ver com as investigações sobre a gangue dos golpistas. Jair e Duda trataram de assuntos típicos da vida particular.
Não parou por aí. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, foi ainda mais específico ao tratar do caso com uma brandura desconcertante. “Não entendi por que divulgaram isso. É uma conversa privada entre pai e filho, uma conversa normal”, garantiu o “bolsonarista moderado”. Mas foi isso o que aconteceu? De jeito maneira.
Eduardo e o papai estavam num debate sobre processos na Justiça, trama golpista, anistia para condenados e táticas para tumultuar o julgamento no STF. Além disso, falavam sobre as ações do presidente do Estados Unidos, aquele que pretende impor ao Brasil suas vontades de tiranete. São assuntos graves, de interesse do país.
O mais engraçado é a tentativa de amenizar os termos com os quais pai e filho se tratam. “Uma conversa normal”!!! É assim que os cidadãos de bem do bolsonarismo dialogam no escurinho do lar? É assim que mostram respeito às suas famílias? Que coisa esquisita! Com a palavra, Cabo Bebeto, Leonardo Dias, Fábio Costa e Alfredo Gaspar.
“VTNC, seu ingrato do caralho” é uma tradução perfeita dessa gente. Desmoraliza o discurso hipócrita de pessoas que se dizem polidas e vivem a denunciar a “esquerda degenerada”. Mais importante: a indignação do deputado fujão com o pai decorre de suas desavenças quanto a estratégias de ação política contra o Brasil. O resto é piada.
As expressões e a forma das mensagens revelam um ambiente deletério. Não há respeito nem pelas instituições nem pelos indivíduos. Eduardo chega a dizer que não importa que o país se ferre – se é o preço para que sua família se dê bem, paciência. As falas expõem métodos mafiosos daqueles que tudo fazem em nome dos seus. É uma vasta tradição.
Público e privado são conceitos amplamente estudados na literatura brasileira. Tirante Jessé Souza – que acha que inventou as ciências sociais –, Sérgio Buarque de Holanda, Raimundo Faoro, Marilena Chauí, Roberto da Matta e Eduardo Gianetti, entre outros, esmiuçaram as relações entre essas duas categorias na vida brasileira.
Mas isso é muita erudição para o que se vê nas “conversas normais entre pai e filho” – entre o capitão e o traidor da pátria. Além do mais, a PF não divulgou uma troca de receitas nem observações de pai e filho sobre os netinhos. Quem insinua algo assim é o descarado governador paulista e outros por aí. É a escória em estado bruto.