A vida é assim mesmo, cheia de contradições tão profundas que às vezes nada parece ter lógica. Se a política está no meio, então, aí é que os termos da equação se mostram brutalmente incompreensíveis. A extrema direita do Brasil solta o berreiro contra o regime de Nicolás Maduro na Venezuela. Estou ao lado dos que definem o governo venezuelano como uma ditadura – disfarçada com eleições a cada seis anos.
O processo eleitoral que acaba de produzir o que produziu reafirma essa percepção. Mas, além do teatro do voto direto, outras variáveis atestam a vigência de um regime autoritário sob as ideias do chavismo. Não existe imprensa livre. O governo fechou veículos, prendeu jornalistas e censura tudo o que seja contrário a seus interesses. A Justiça foi aparelhada com serviçais do presidente, e todos os julgamentos são parciais.
A oposição sofre um cerco permanente, alvo de acusações desprovidas de mínima base probatória. Há presos políticos. Se entre os adversários do regime estão tipos de uma direita golpista, é outro papo. Uma coisa não libera a tirania do outro lado. A decisão que impediu Corina Machado de concorrer é escandalosa. Acusada de “conspiração e terrorismo”, ela está inelegível pelos próximos 15 anos. Chega a ser grotesco.
Mas eu comecei falando de contradições profundas. Retomo a linha. É uma ironia e tanto que bolsonaristas usem a Venezuela para atacar Lula. Porque o que temos por lá é precisamente o que o capitão da tortura tentou implantar aqui durante seu governo. A Venezuela é o Brasil sonhado por Jair Messias. Maduro é o Bolsonaro que deu certo.
Basta olhar as grandes “causas” do ex-presidente. 1) emparedar o Judiciário; 2) sabotar o sistema eleitoral; 3) militarizar toda a máquina e cooptar o Exército; 4) armamento geral para criar uma tropa paramilitar e miliciana; 5) prender opositores e juízes; 6) fechar veículos de imprensa; 7) como diria o general Heleno, “virar a mesa”. Era isso daí.
É a maquete sob medida para o projeto de um tiranete. Não deu certo porque, apesar de nosso histórico golpista, as instituições resistiram. A partir da Constituição de 1988, em alguma medida, avançamos. O sujeito que reverencia torturadores tentou solapar nossa democracia o tempo todo, mas foi barrado. Bolsonaro é o Maduro que deu errado.