Presidente do Cremal explica como identificar um falso médico e se é possível reconhecer um falso atestado: "Não se pode generalizar condutas pontais para toda uma categoria"

04/05/2024 08:00 - Especiais
Por Mara Santos
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O caso de uma falsa médica, que atendia como nutróloga em um centro médico de Maceió, chamou atenção da população para os cuidados em identificar quando o médico está exercendo ilegalmente a profissão, já que não possui formação em medicina.

Helenedja Oliveira se apresentava como “especialista em emagrecimento pré-cirúrgico, tratamento de obesidade e oncologia metabólica.” Sem registro, ela receitava remédios e pedia exames usando um carimbo com número de registro CRM/AL 81.420, que não existe. Segundo as investigações, ela atuava na área há nove anos e cobrava cerca de R$ 450 por consulta. 

A falsa médica foi denunciada pelo Conselho Regional de Medicina de Alagoas (Cremal) e autuada pela Polícia Civil alagoana, no último dia 10 de abril, por exercício ilegal da medicina.

Para ajudar a identificar um falso médico e evitar receber um atestado médico falso, o CadaMinuto conversou com o presidente do Cremal, o médico Benício Bulhões. Ele explicou como buscar o médico pelo CRM, como proceder ao identificar um falso profissional da medicina e se é possível identificar um falso atestado.

Bulhões também falou sobre outros assuntos como: a relação entre a medicina cientifica e a baseada em evidências; a invasão de outras profissões na realização de atos próprios da medicina; a abertura indiscriminada de faculdades de medicina e sobre a atuação de profissionais estrangeiros sem registro no Brasil.

O presidente do Cremal, o médico Benício Bulhões   / Foto: Arquivo Pessoal

Confira a entrevista:

1-Como a população pode se proteger do exercício ilegal da medicina? 

A forma que a população tem de verificar se uma alguém é realmente médico,  ou não, é buscando confirmação junto do órgão competente, que é o Conselho Federal de Medicina (CFM). Quando um médico pede o registro em um estado, depois de checadas as informações , deve-se verificar a questão de diploma. Toda a documentação do solicitante é inserida num banco nacional de dados, que é administrado pelo CFM, e qualquer pessoa pode procurar informações no site www.portal.cfm.org.br, ou  pode fazer uma busca no Google, digitar CFM, buscar ou consultar médico.  Há uma página na qual basta a população digitar o nome ou o CRM do profissional desejado no estado que ela quer fazer essa procura. Se houver o registro do profissional, vai aparecer o nome dele completo,  o número do CRM e a foto do profissional registrado, pois alguém pode estar se passando por ele. Além disso, nessa mesma consulta, a pessoa já vai poder ser informada se o médico, ou a médica, tem alguma especialidade registrada no CRM. Se esse profissional não tem especialidade registrada, não significa que ele não possa atuar como médico, o que ele não pode é se anunciar especialista naquela área sem ser.

2-E quanto ao atestado médico falso, é possível  reconhecer? O que fazer quando identificar?

Em relação ao atestado médico, é um pouco mais complicado de se verificar porque o atestado falso é fruto de uma falsificação adquirida por  uma pessoa que não é médica e, portanto, o Conselho de Medicina não tem nenhuma atuação. O atestado também pode ser um atestado emitido por um médico de forma “graciosa”, que também é um atestado falso, onde estão inseridas informações que não são verdadeiras de forma a agradar o cliente, o paciente. Isso também é passível de punição, no caso do médico, na esfera penal e na esfera do CRM. Em qualquer uma das situações, para saber se um atestado é falso ou não, o empregador precisa procurar o profissional que supostamente emitiu aquele atestado. Isso também pode ser feito verificando se o profissional é registrado no Conselho de Alagoas, se tem aquele número de CRM, procurar o a clínica, o serviço de saúde ou diretamente profissional, para saber se ele realmente emitiu aquele atestado. Se houver a negativa do profissional, ele afirmar que nunca viu o paciente, isso é uma falsificação por um não médico. Então, a orientação é que se faça um boletim de ocorrência para que a polícia investigue o porquê e de onde está sendo emitida a falsificação. No caso atestado gracioso, a população também pode verificar junto à polícia, fazendo um boletim de ocorrência, mas pode encaminhar a questão da suspeita de atestado gracioso para o CRM, onde será aberta então uma investigação para apurar o caso, que pode ser arquivado ou evoluir para processo ético profissional, no qual o médico será julgado de acordo com as evidências.

3-Vivemos na era da medicina baseada em evidências. Não temos dúvida da importância da metodologia científica para evolução da saúde, mas sabemos que abordar doenças crônicas e multifatoriais, como a depressão, ansiedade, que requer uma abordagem mais individualizada. Existe um caminhão que consiga unir ambas as visões?

Com relação à medicina baseada em evidências, eu concordo que isso é de extrema importância. A medicina ela tem que estar no mesmo passo em relação as evidências científicas. Todavia, a medicina é uma ciência de verdades transitórias. Às vezes uma verdade que acontece nesse momento pode não ser uma verdade completa daqui a alguns anos, porque apareceu, por exemplo, um novo método de estudo, foi verificado um viés que estava demonstrando ser uma coisa equivocada no passado, uma nova tecnologia foi adicionada a medicina que mostra que pode ser feito a abordagem de outra forma, uma nova droga pode aparecer e às vezes a evidência do momento pode não ser completamente suficiente. Uma coisa que os Conselhos de Medicina e o Conselho Federal também primam é pela autonomia do médico. A autonomia do médico não significa que ele está autorizado a fazer tudo que vem à sua cabeça, ou de acordo com a sua vontade. Mas ele tem que ter o discernimento de individualizar sua terapêutica e demonstrar que para aquela situação, naquele momento, o melhor caminho a ser seguido é o que ele se propôs. Independente de qualquer situação, ele está sujeito a ter suas ações questionadas e pode responder por isso. Com o evoluir da ciência e com a presença das tecnologias, alguns colegas têm esquecido que o olhar no paciente, o ouvir o paciente, o examinar o paciente, muitas vezes é mais importante do que os seus exames. Afinal, os exames e a tecnologia que a gente irá utilizar para buscar determinados diagnósticos, são ditos desde a universidade, que são exames complementares. São exames que complementam o raciocínio lógico a partir de uma conversa adequada, de uma consulta adequada com seu paciente. Então, existe sim a possibilidade de unir ambas as visões. O médico não pode perder o olhar na queixa do paciente, não pode deixar de ouvir o seu paciente. não pode deixar de examinar o seu paciente. E tendo a ferramenta da tecnologia, do seu arsenal diagnóstico ao lado, buscar o que mais se adequa ao seu paciente e, claro, dentro do arsenal terapêutico que temos, buscar individualizadamente qual o melhor tratamento para cada pessoa.

4-Qual sua opinião sobre os atos próprios da medicina que muitas vezes são invadidos por outras profissões? 

A gente precisa pensar que cada profissão tem sua regulamentação própria, na forma da lei. Então, a medicina é regulamentada por uma lei própria e a partir dela a classe pode fazer determinados atos. E a partir desses atos, CFM tem o poder de legislar definindo como esses atos devem ser seguidos. A mesma coisa acontece com outras profissões. O problema é que alguns conselhos profissionais estão começando a legislar dando poderes para seus profissionais fazerem determinadas atuações em desacordo com a lei maior. Uma resolução do CFM que tem poder de lei para os médicos, ela não pode ir contra uma lei maior. A mesma coisa com as outras profissões. Uma resolução emitida por um conselho profissional, seja da enfermagem, da fisioterapia, da odontologia, das áreas de saúde, ela não pode autorizar procedimentos para os seus profissionais em desacordo com o que propõe a lei maior. E esse é o ponto de questão. Essa situação é uma situação nacional, não é só local. E por ser uma situação nacional, ficamos acordados entre os presidentes dos Conselhos de Medicina que é uma briga que deve ser feita inicialmente pelo Conselho Federal. Claro que, uma vez detectada a possível invasão de competências da medicina em âmbito local, a gente pede uma análise da assessoria jurídica e verifica o que pode ser feito para mudar essa situação.

5-Qual sua opinião sobre a abertura indiscriminada de faculdades de medicina?

A abertura indiscriminada de escolas de medicina foi apoiada numa falácia que é a história de que falta médico para atuar junto à população brasileira. Isso trouxe a abertura indiscriminada de escolas e a presença de profissionais formados no exterior sem a devida qualificação, sem o devido registro aqui no País. Houve uma briga muito grande do CFM e dos conselhos regionais que vem desde o governo Dilma Rousseff. No governo Bolsonaro foi conseguida uma moratória para a abertura indiscriminada de escolas de medicina, mostrando que o que precisa na verdade é a melhor distribuição dos médicos e para isso precisaria ter outras ações, que não simplesmente abertura de escolas. Além disso, a gente precisa verificar qual é a qualidade não só dessas escolas de medicina que estão abertas, mas das atuais. Será que a formação do profissional médico que está sendo realizada em todas as escolas de medicina está adequada? Isso precisa ser verificado. As escolas que não estão formando profissionais de forma adequada precisam ser sancionadas e precisa-se de um pulso político para isso, uma vontade política para isso, coisa que nós não estamos vendo no atual governo federa. Ele tirou essa moratória e voltou a abrir indiscriminadamente escolas de medicina em todo o país, inclusive tendo autorizado a abertura de faculdades de medicina em nosso estado, além das já existentes. Para isso, eu preciso ter uma formação adequada, não é simplesmente botar uma faculdade de medicina para formar médico.  Isso não significa que eu vou formar um bom profissional, eu tenho que ter qualidade, e o conselho de Alagoas é contra essa abertura indiscriminada. Até porque os dados da demografia médica de  2024 mostram que não existe essa necessidade.

6-Casos de estupros em situações anestésicas ou durante procedimentos ocorreram, no Brasil e em Maceió. O que pode estar gerando isso e como as pessoas podem se proteger deste tipo de situação? 

A nossa sociedade está doente. Num todo, na verdade, não só a sociedade dos médicos. Mas, a sociedade está doente. Valores morais estão sendo colocados na lata do lixo. E claro, se você abre o leque muito grande de pessoas fazendo uma mesma atividade, assim como em qualquer outra profissão, nós podemos ter profissionais com deturpação do seu perfil. É com muita preocupação que o Conselho Regional de Alagoas e os demais Conselhos de Medicina veem essa questão ética da atuação do médico, porque isso acaba maculando toda a profissão. A população precisa confiar na atuação do médico! Claro que, quando eu tenho a opção de escolher o meu médico, eu tenho toda uma possibilidade de verificar, de ouvir opiniões a respeito disso. Mas, ela não pode ir para um profissional achando que a má atuação dele, o desvio ético, o desvio de conduta dele é a regra da profissão. Existe legislação específica para isso, e claro, a sociedade é a parte mais frágil nessa equação e precisa ser protegida. Mas não julguem o médico, de forma geral, por uma falha de caráter de alguns que vai macular toda a profissão. A maioria dos médicos e médicas de Alagoas tem uma conduta ética de zelo com seu paciente. Claro, que todas as situações que possam acontecer precisam ser comunicadas ao conselho de medicina e à polícia. O conselho de medicina vai agir do ponto de vista ético, a polícia vai instruir o inquérito e a justiça vai verificar, do ponto de vista penal, o que pode ser feito. Agora, não se pode generalizar a conduta de profissionais pontuais para toda uma categoria profissional.

7-Qual a sua posição sobre trazer novamente médicos estrangeiros sem registro médico profissional no Conselho Federal de Medicina Brasileiro para o Brasil? 

O Conselho Federal, bem como todos os conselhos regionais, e o Conselho Regional de Alagoas, comungam da mesma visão. Quando a gente quer exercer a medicina em um país a gente precisa obedecer às normas vigentes dele. Então, se eu quero exercer a medicina, por exemplo, em Portugal, eu preciso verificar o que é necessário de documentação para eu poder ser habilitado a exercer  profissão lá. E não simplesmente chegar de qualquer jeito, achando que por ser médico no Brasil, vou exercer a medicina lá do mesmo jeito. Então primeira coisa: o Conselho Regional de Alagoas acha que para vir a exercer, médicos formados no exterior precisam se submeter à regra vigente, que significa fazer o Revalida. Uma vez sendo aprovado o médico pode pedir seu registro, não tem problema nenhum e vai ter atuação adequada. Somos contra a trazer médicos sem registro. O trazer médicos sem registro para atuar no país está baseado num pensamento de falta de médicos. A demografia médica aponta que o Brasil está muito bem servido de médicos. O que ocorre é uma má distribuição desses profissionais ao longo do nosso país. 

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