Por trás de tudo, um truque da imprensa

23/04/2024 00:14 - Blog do Celio Gomes
Por redação
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Nos tempos em que todo mundo produz “notícia”, a imprensa profissional se dobrou ao vale-tudo na disputa por atenção e audiência. Um dos efeitos mais visíveis dessa escolha pelo caminho da perdição está nos títulos para qualquer tipo de acontecimento. Pode ser uma decisão de governo, um acidente de trânsito, um bate-boca na política ou a última polêmica com uma celebridade. As manchetes seguem a mesma lógica.

A bizarrice número um se resume numa chamada que recorre ao incontornável “o que está por trás de...”. Na sequência cabe qualquer coisa. A fórmula ganhou tração no noticiário sobre estripulias de famosos e influenciadores de todos os modelos. A tática pressupõe um interesse irresistível por suposta revelação de algo misterioso, uma surpresa fora de série. Mas a promessa do excepcional resulta sempre numa fraude.

Toda vez que vejo uma notícia com aquele título apelativo, insinuando o anúncio de uma “bomba”, a sensação é de estelionato. E não dá outra. O que estaria “por trás” de uma declaração ou de uma briga de bar nada tem de secreto – como o relato na sequência acaba confirmando. O recurso falacioso bate recorde no infinito universo de sites e grandes portais. Emissor e público, na mesma vertigem, se renderam em definitivo.

Na condição de editor, diariamente encarei o desafio de sintetizar numa frase o essencial de uma reportagem. É diferente fazer isso para a TV ou para a página de jornal impresso. Não raras vezes, a criação da manchete vira um instigante debate entre os envolvidos diretamente na parada. É também um aprendizado permanente e uma troca com outros colegas de redação. Seguir uma fórmula fácil é a morte desse processo criativo.

Para criar uma chamada ou a manchete, pode-se falar em parâmetros. Em receita, nunca. E é exatamente o que ocorre com aquele intragável “o que está por trás”. Da mesma família saiu o “clique aqui e descubra...”. Sim, é mais um dos efeitos do triunfo das redes sociais. Para não perturbar o cérebro com elaborações “eruditas”, e com a urgência por novidades, raia livre para truques, redundância e marmelada. 

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