“A sociedade não está preparada”

20/04/2024 00:12 - Blog do Celio Gomes
Por redação
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São Paulo, 16 de abril de 1984. Mais de 1 milhão de pessoas participam do maior comício na campanha das Diretas Já. Era o ápice de um movimento que se iniciara no ano anterior e havia incendiado o país ao longo de meses. Foram dezenas de atos em todas as regiões, com adesão em massa à emenda constitucional que previa o voto direto para presidente. A vitória parecia perto, mas bateu na trave e não aconteceu.     

Em 25 de abril, nove dias após o comício gigante na capital paulista, a emenda Dante de Oliveira foi derrotada no Congresso. Faltaram 22 votos para a aprovação. O resultado foi a última demonstração de poder do regime dos generais, que agonizava desde o começo daquela década. A eleição presidencial, em 1985, seria indireta. O voto direto veio mais adiante, em 1989, abrindo uma nova era no país. Antes, houve um governo de transição. 

Com a posse de José Sarney, após a morte do presidente eleito, Tancredo Neves, finalmente nos livramos da truculência fardada. Não foi o escolhido pelo voto popular, mas, aos trancos, barrancos e tropeços, a volta à democracia estava garantida. De lá para cá, o Brasil viveu um cardápio de crises de todos os tipos – da explosão inflacionária ao colapso da segurança, passando pelos escândalos de corrupção. Resistimos.

Mas há um aspecto lateral na saga das Diretas Já que me chama atenção. Era comum ver aqueles contrários à Dante de Oliveira sacar, com ênfase, um estranho argumento: a sociedade não está preparada para escolher o presidente. Era algo defendido por anônimos e personalidades públicas. Como se chega a tal diagnóstico? E quem decide se eu e você estamos preparados para isso e aquilo, tratando-se de um direito?

Esse exotismo com pretensões lógicas é comum em outros debates – como a descriminalização de drogas, por exemplo. Em todos os casos, parece óbvia a postura que combina elitismo e prepotência. Há sempre aqueles que se julgam na condição de escolher errado e impor aos demais a escolha errada que fazem. Há quatro décadas, em alguma medida essa ideia prevaleceu – e adiou por cinco anos as Diretas Já.

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