“Foro privilegiado” elimina o privilégio

14/04/2024 00:18 - Blog do Celio Gomes
Por redação
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Ao longo das últimas décadas, desqualificados da política, à direita e à esquerda, defenderam “o fim do foro privilegiado”. O argumento central para isso seria a morosidade do STF para julgar os casos envolvendo tubarões da República. Quando uma investigação vai para o Supremo, o destino é o fundo das gavetas, o esquecimento e, finalmente, a prescrição irreversível do processo. Vitória da impunidade. Calma lá!

Valentes de ocasião resumiam desse modo um mecanismo constitucional – legítimo e necessário. Por ignorância ou delinquência, a distorção da realidade predomina quando esse debate está em pauta. O foro especial por prerrogativa de função – que nada tem de privilégio – é um princípio rigorosamente adequado ao ordenamento jurídico do país. O que é que tá pegando então? 

Políticos no exercício do mandato só podem ser processados nos tribunais superiores. A ideia é afastar a influência previsível que poderosos tendem a exercer sobre a primeira instância. O impasse é quanto à amplitude de tal interpretação. Um senador ou deputado deve responder no STF, mesmo quando, acusado por algum crime, renuncia ao cargo? Nos últimos tempos prevaleceram um e outro entendimentos.

O próprio Supremo contribuiu para o tumulto com suas idas e vindas sobre a questão. Agora, formou-se maioria na corte para ampliar o alcance do foro, alterando decisão tomada em 2018. Mesmo com a renúncia, ou a cassação do mandato, o caso segue na instância superior. Seis anos atrás, os ministros mexeram na regra porque estavam nas cordas, subjugados pelo vandalismo imoral da Lava Jato. 

Os ventos mudaram de direção, e o tema está outra vez no fogo cruzado do faroeste tropical. A turma de Bolsonaro tomou partido contra a nova posição do STF. Natural. A restrição de foro – excluindo do tribunal casos de políticos sem mandato – daria alento ao ex-presidente e a outros implicados nas tramas golpistas dos patriotas. Daí a gritaria. 

No mais, estamos diante de uma daquelas desconcertantes ironias da história. Quem antes acusava o STF de engavetar investigações e deixar criminosos impunes, agora quer responder por seus delitos nas instâncias inferiores – em busca de letargia processual e impunidade. Mas ficar no Supremo não era privilégio? A lógica de justiceiros vale apenas para o inimigo.

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