60+: especialistas alertam para ausência de mercado de trabalho e falta de incentivos para contratações

04/04/2022 06:10 - Especiais
Por Vanessa Alencar
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O aumento da expectativa de vida e o adiamento da aposentadoria tradicional depois da Reforma da Previdência é uma equação que tem preocupado pesquisadores em todo o mundo acerca, principalmente, dos futuros idosos e do futuro dos idosos que não conseguirem se aposentar, nem permanecer ou voltar para o mercado de trabalho.  

A taxa de desemprego de pessoas com 50 anos ou mais no Brasil ultrapassou 7% pela primeira vez em 2020, conforme a série histórica da PNAD Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que registra desde 2012. Em um ano, entre o final de 2019 e o final de 2020, mais de 400 mil brasileiros nessa faixa etária ficaram desempregados, sendo a maioria mulheres. 

Os dados foram trazidos ao CadaMinuto pela pesquisadora Renata Mendonça, que atua na área de tendências de comportamento, na Mescla.co e tem uma startup em fase inicial para o desenvolvimento de habilidades digitais para os profissionais 50+. A pedido da reportagem, ela traçou um panorama preocupante do mercado de trabalho para pessoas 50+ ou 60+ no país e em Alagoas, principalmente no pós-pandemia.  

Para ela, vários movimentos vão impactar a aposentadoria do brasileiro: mudanças na Previdência Social, a ascensão da chamada GIG Economy, o processo de terceirização, a mudança na pirâmide etária e as necessidades econômicas: “De acordo com o estimado pelo IBGE, um terço da população brasileira terá 60 anos ou mais até 2050. Estão prontos para isso? não! As pessoas vivem o hoje e pouco estão asseguradas para o futuro”. 

“Com o aumento da expectativa de vida surge junto uma nova realidade: como se relacionar com uma geração mais longeva em diversos aspectos, como saúde, educação, qualidade de vida, trabalho, socialização, entre outros. Além disso, aprender a lidar com o ‘novo maduro’ será um desafio, pois são pessoas acima dos 50 anos ativas, com qualidade de vida e energia de realização, que querem continuar a fazer parte do processo produtivo, e que possuem, muitas vezes, a necessidade de complementação de renda. Um perfil que não existia a pouco tempo atrás”, analisou a pesquisadora. 

Preconceito etário 

Renata frisou que, além do impacto causado pela pandemia no mercado de trabalho como um todo, em relação aos trabalhadores maduros ainda existe o preconceito etário - ageísmo - baseado na ideia de estarem desatualizados ou parados no tempo. “As pessoas associam o envelhecimento ao declínio produtivo Também, pelo repertório de experiência, são profissionais considerados ‘caros’ para o mercado, e muitas empresas terminam trocando-os pelos jovens, até pelos novos formatos de trabalho, com a economia GIG. Mesmo assim, o pensamento predominante nos pós 50 é que essas pessoas ‘estão de saída’, mesmo faltando anos para se aposentar.”. 

Na iniciativa privada, a especialista aponta que a Top Employers Institute (2018) mostra que, enquanto na Europa 50% das empresas tinham ações para “atrair, engajar e reter pessoas idosas”, no Brasil esse número é de 21% em 2018.   

“Outra grande questão para os maduros se manterem relevantes para o mercado de trabalho é a capacitação e atualização contínuas, principalmente com âmbito tecnológico, com o desenvolvimento das habilidades digitais e, também, a adaptação aos novos formatos de liderança, gestão ágil e modelos de negócio. Além disso, a geração dos Boomers foi a que menos teve acesso à educação formal, entre as gerações.  Isso leva também ao contexto que pela primeira vez temos quatro gerações atuando ao mesmo tempo no mercado de trabalho (Boomers, Geração X, Geração Y e Geração Z), são gerações comportamentalmente diversas, com necessidades e aspirações diferentes e que estão aprendendo a lidar umas com as outras.  Então, como se pode observar, é uma questão que merece um olhar sistêmico, e pode provocar debates difíceis aos governos, à iniciativa privada e até às gerações ativas profissionalmente.”, prosseguiu. 

Exemplos e falta de exemplos 

Renata explicou que, no âmbito privado existem iniciativas empresariais com programas voltados para a oferta de vagas a candidatos maduros, além de outros benefícios como treinamentos, planos de carreira diferenciados, até meta de composição de quadro de colaboradores.  

Entre eles, a pesquisadora citou a Pizza Hut (Programa Atividade, que oferta vagas para atendente); Bob‟s  (Projeto Melhor Idade); Pão de Açúcar (Programa da Terceira Idade); Gol (Experiência na Bagagem); Grupo Cencosud Brasil (Talentos Experientes); Votorantim (MIME: Melhor idade, melhor emprego); Unilever (Programa para Estagiários Seniores); e Vivo (Projeto 50+). 

Destacou também o surgimento da MaturiJobs, empresa focada para realocação de profissionais maduros. 

Em Alagoas, especificamente, Renata desconhece exemplos de programas ou iniciativas diretas similares. 

“Mas indiretamente tem a  Lei 13.535/2017, que determina que sejam oferecidos no âmbito das instituições de ensino superior e obrigatórios nas universidades públicas, por meio de ações presenciais e à distância, cursos e programas de extensão para atendimento das pessoas idosas. Também no artigo 25 do Estatuto do Idoso, que estabelece que o Estado precisa apoiar a criação de universidades abertas para idosos, além de incentivar a publicação de livros e periódicos de conteúdo e padrão editorial adequados a essa faixa etária, que facilitem a leitura, considerada a natural redução da capacidade visual nessa idade. Mas não sei se o que está previsto nesses dispositivos legais realmente está sendo efetivado na prática. Sei que tiveram projetos de lei de incentivo à contratação de maduros na iniciativa privada, mas foram arquivados e existem várias discussões sobre isso”, finalizou a pesquisadora. 

Sem políticas públicas 

Em relação a situação em Alagoas, o gerontólogo Francisco Silvestre, também ouvido pela reportagem, fez uma análise mais desoladora: “Não existe mercado de trabalho em Alagoas para pessoas acima de 50, 60 anos. Também não há nenhuma política pública ou privada para isso. Em alguns estados ainda existem cursos de empregabilidade para terceira idade, mas aqui não. E também não existem campanhas para estimular contratações nessa faixa etária”. 

Reforçando que, no estado, “não tem nenhuma política de empregabilidade e de recolocação profissional”, Silvestre conta que chegou a realizar ações pontuais, entre elas dois projetos de emprego voltados para a terceira idade, um em uma universidade particular e outro em um grande frigorífico de frangos. 

“Tentamos buscar que os idosos fossem recolocados no mercado, mas não há oferta, mesmo que, em alguns casos, exista demanda”, desabafou. 

Uma senhora estagiária  

Depois de 25 anos nas salas de aula, onde lecionava inglês e língua portuguesa, a professora aposentada Regina Bandeira Ferreira, de 66 anos, pós-graduada em Supervisão Escolar, há dois anos cursou gerontologia e está tentando trabalhar na área, ainda que como estagiária.  

“Quero voltar ao campo de trabalho, mas está muito complicado por causa da idade e também porque o curso que eu fiz de gerontóloga é novo e as pessoas não dão credibilidade. Acredito que há um preconceito em relação a idade, aos idosos. Mas acredito também que há um pouco de falta de compreensão. Falta amor ao próximo, porque até agora não consegui nem um estágio com as pessoas que eu tentei, que são da área”, lamentou a idosa. 

Para Regina, empregadores deveriam começar a dar mais credibilidade às pessoas idosas.: “Por um lado, o jovem que entra no mercado de trabalho vai ganhar bem menos, mas por outro lado, experiência nós temos demais”. 

A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Estado do Trabalho em busca de dados sobre o mercado de trabalho, o número de pessoas desempregadas, em Alagoas, a partir de 50 anos, entre outros pontos, mas não obteve resposta.  

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