Relatos de pacientes que, mesmo depois de imunizados com duas doses de vacina, adquiriram a Covid-19, levaram a vários questionamentos e uma corrida em busca de exames que, em tese, revelariam a presença ou ausência de anticorpos no organismo. Para esclarecer sobre as razões pelas quais a contaminação é possível, mesmo em pessoas vacinadas, e sobre a eficácia desses exames, o CadaMinuto conversou com a médica Cynthia Mafra, especialista em Alergia e Imunologia pela Asbai (Associação Brasileira de Alergia e Imunologia).
Frisando sempre que as vacinas, em geral, reduzem muito a chance de a pessoa vacinada ficar doente e precisar de hospitalização em decorrência da Covid-19, e destacando que todos os dados apontados por ela se baseiam em estudos científicos, a médica explicou que a Coronavac, por exemplo, reduz em cinco vezes a chance de desenvolvimento da Covid grave, conforme pesquisas realizadas com profissionais da saúde para sua aprovação, e outras feitas no Chile e no Brasil, apresentando resultados até superiores a isso.
“A vacina é como o goleiro que pega um monte de bola, mas de vez em quando ele vai levar um gol. Isso não quer dizer que ele seja infalível, não quer dizer que ele seja ruim. A mesma coisa é a vacina, ela protege a pessoa, diminui bastante a chance de não ficar doente, mas nenhuma vacina oferece 100% de proteção, inclusive essas do calendário vacinal do Plano Nacional de Imunização que a gente tomou a vida inteira”, destacou.
Questionada sobre o fato de os relatos de contaminação em pessoas vacinadas estarem mais relacionados a Coronavac, a especialista disse que a vacina foi a primeira aplicada no país, em um grande número de profissionais da saúde, naturalmente mais expostos ao vírus. Ela também citou um estudo realizado neste mês de maio, na Indonésia, mostrando a eficácia inédita de 98% na prevenção de mortes; 96% na prevenção de hospitalizações; e 94% contra infecções sintomáticas da doença, após imunização com a Coronavac.
“O problema não é eficácia das vacinas disponíveis, mas o fato de que apenas uma parte pequena da população está vacinada e a vacina não funciona a nível individual, mas populacional, é o que chamamos de imunidade de grupo ou imunidade de rebanho. À medida que mais gente vai sendo vacinada, o vírus para de circular, a doença vai reduzindo sua prevalência e vamos controlando a pandemia, mas só teremos uma segurança quando grande parte da população, 70% ou mais, estiver vacinada. Até lá, quem tomou a Coronavac, Astrazeneca ou Pfizer tem que continuar usando máscara e não relaxando nos cuidados”, alerta Cynthia.
Ela reforçou que “as vacinas são eficazes e o fato de algumas pessoas desenvolverem a doença, inclusive formas graves, mesmo após a vacinação, é esperado. É assim que as vacinas funcionam e não chegamos nem a 15% da população brasileira vacinada e nenhuma vacina chega a 100%. Esses resultados de 95% para vacina da Pfizer é que são excepcionais, porque se trata de uma nova tecnologia”.
Exames não avaliam eficácia da vacina
Sobre a procura, principalmente por parte de pessoas já vacinadas, por exames que, supostamente atestariam ou não a eficiência da vacina, a médica afirmou que é errada a ideia que se pode avaliar a eficácia de uma vacina, no caso específico contra a Covid-19, por uma sorologia (estudo de anticorpos específicos no soro, para identificar a presença de IgG e IGM).
Referindo-se à Nota Técnica expedida pela SBIM (Sociedade Brasileira de Imunização) sobre o tema, Cynthia explicou que não há indicação de fazer sorologia para pesquisar IgG positivo após a vacina, por várias razões: primeira, a resposta imunológica não é medida apenas pelo IGG. “Você pode não fazer IgG após a vacina e ter uma memória imunológica, através dos linfócitos de memória, que são as principais células na resposta contra vírus, mas esses linfócitos não são dosados comercialmente”.
“O segundo motivo: não há uma padronização para dizer a quantidade de IgG que vai necessariamente conferir uma resposta protetora e por quanto tempo, e o terceiro motivo: você ser vacinado e não ter IgG positivo, não indica que a vacina não funcionou. Não se usa sorologia para avaliar eficácia de vacina. As pessoas estão gastando dinheiro fazendo esse exame particular, se aperreando quando o resultado é negativo ou, quando é positivo, achando que estão protegidas e deixando de usar máscara. Nenhuma das situações está correta”, esclareceu.
Segundo a especialista, quando o organismo encontra um antígeno infeccioso, a pessoa desenvolve uma resposta imunológica que não é feita somente de anticorpos, mas principalmente pelos linfócitos, que não são dosados em testes comerciais. “Não é possível dizer se uma pessoa está imune ou não porque a sorologia deu positiva ou negativa. Uma sorologia positiva significa apenas contato com aquele agente infeccioso. A presença de um IgG não significa, necessariamente, que há uma cura ou uma imunidade, assim como a presença do IGM não significa necessariamente que a doença está ativa ou há transmissão”.
A sorologia, de acordo com a médica, serve para dar o diagnóstico indireto quando não se consegue fazer o diagnóstico da doença pelo método direto que, no caso da Covid, é o RT-PCR por swab nasal (conhecido popularmente como o teste dos cotonetes).
Na Nota Técnica, expedida no dia 26 de março deste ano, a Sociedade Brasileira e Imunização não recomenda a realização de sorologia para avaliar resposta imunológica às vacinas contra a Covid-19: “A complexidade que envolve a proteção contra a doença torna desaconselhável a dosagem de anticorpos neutralizantes… Os resultados de curto prazo que estão sendo disponibilizados por diversos países têm sido muito animadores na proteção contra formas graves e óbitos pela Covid-19, independente da circulação das novas variantes”.
Memória imunológica e terceira dose
Já sobre a razão pela qual algumas pessoas não produzem IgG para determinadas doenças, Cynthia destaca que os estímulos Infecciosos são diferentes e as respostas imunológicas também. Além disso, quando o paciente tem a Covid de forma leve ou assintomática, “não há um estímulo robusto para que o sistema imunológico produza um IgG, mas isso não quer dizer que não exista a memória imunológica ou imunidade. O que se sabe hoje é que essa memória imunológica, essa defesa que a gente tem depois de ter uma infecção, é transitória para o Sars Cov-2 e provavelmente será transitória também para a vacina, que certamente entrará para o calendário vacinal.
Em relação à possibilidade da necessidade de uma terceira dose da Coronavac, a alergista disse acreditar que isso não será necessário, porque até o momento os estudos têm demonstrado a eficácia da vacina. “Enfatizo que a necessidade ou não de uma terceira dose, de maneira nenhuma está atrelada ao fato de você desenvolver IgG ou não. Se houver necessidade é porque os estudos epidemiológicos e os estudos realizados com três doses comprovaram uma eficácia maior. Por enquanto não há essa tendência, mas discutir o assunto é normal, pois as vacinas são dinâmicas. Por exemplo, podem ser identificadas variantes que as vacinas atuais não cubram, mas não é caso no momento, pois os imunizantes disponíveis têm uma boa resposta contra as variantes”, concluiu.
“Se não tivesse tomado a vacina estaria morta”
A médica ginecologista e obstetra, Maria Fátima Born Muniz, teve Covid-19 depois de ser imunizada com duas doses da Coronavac. Ela contou ao CadaMinuto que adoeceu no final de março deste ano, após um plantão de 48 horas no Hospital Nair Alves, em Paulo Afonso, na Bahia.

“Tive sintomas leves, como dor de cabeça, coriza, coceira na garganta e tosse moderada. Eu já sabia que a vacina não seria 100% e que poderia pegar Covid, mas de forma não grave, então fiquei menos apavorada”, relatou descontraidamente, destacando que mesmo assim teve medo, devido às comorbidades, pois é diabética e cardiopata e teve leucemia em 2017, doença da qual está curada.
Diante de tantas informações e de números alarmantes, Fátima acrescentou que temia ser intubada porque, segundo ela “com certeza morreria, pois, a maioria dos médicos que acompanhei que foram intubados evoluíram para óbito”.
Apesar de a doença ter surgido de uma forma mais branda, as explicações médicas recebidas pela ginecologista foram de que seu pulmão estava comprometido em menos que 5%, a saturação estava abaixo do normal e teria que ficar internada por causa das comorbidades. No dia seguinte após a internação, o quadro clínico foi se agravando e Fátima permaneceu no hospital por 21 dias, mas sem necessitar de cuidados intensivos, lembrou.
“Uma semana após receber alta, no dia 21 de março, fiz uma tomografia e apesar de estar com uma boa saturação, meu pulmão estava 50% acometido e eu já havia voltado às minhas atividades. Estou trabalhando desde então e uma coisa é certa, se não tivesse tomado a vacina estaria morta”, refletiu a médica.
Sintomas leves
Diagnosticada duas vezes com a Covid-19, outra profissional da saúde – que preferiu não se identificar - disse à reportagem do CadaMinuto que sentiu um certo “alívio” de já estar vacinada na segunda vez que pegou a doença.
Ela destacou que em fevereiro passado tomou a segunda dose da vacina Coronavac e há menos de 15 dias foi diagnosticada com Covid-19 novamente. “Tive Covid na primeira onda, em junho do ano passado e com certeza, dessa vez, já vacinada, os sintomas foram muito leves. Muito mais leves mesmo”, comentou.
Quanto à reinfecção, a profissional pontuou que está “super consciente” de que a vacina não impede as pessoas de terem Covid, mais deixa o organismo mais forte, fazendo com que a infecção seja mais leve.










