Doutores de toga no “jogo da Braskem”

19/05/2019 20:11 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

Tem muito doutor querendo lacrar nessa história do Pinheiro, o bairro que afunda em Maceió e expulsa moradores. A culpa, segundo laudo oficial, é da Braskem, a megaempresa que se enquadra na categoria de bilionária. Agora, um dos nossos doutores, desses que gostam de pavonear em redes sociais, com passeios turísticos e frases colhidas nos lixões da autoajuda, toma decisão inesperada: tira da Justiça estadual a ação que pede o bloqueio de 6,7 bilhões de reais das contas da indústria.

Pelo que entendi, o operante magistrado assim decidiu em harmonia com as demandas do Ministério Público Federal em Alagoas. Outro ambiente abarrotado de doutores, o MPF entende que a causa deve mesmo ficar sob os cuidados da Justiça Federal. Naturalmente, a novidade deixou enfurecidos os doutores do Tribunal de Justiça, do MP alagoano e da Defensoria Pública no Estado.  

As autoridades alagoenses partiram pra cima. Numa entrevista coletiva na última sexta-feira, os doutores da Defensoria e do MP dispensaram eufemismos para falar sobre o que consideram uma rasteira em todos eles. Tirar o caso da Justiça alagoana só beneficia a empresa. É uma jogada cujo objetivo é simplesmente tumultuar o trabalho dos que atuam em favor das famílias do Pinheiro.

“Não vamos entrar no jogo da Braskem”, disse o procurador-geral de Justiça, Alfredo Gaspar de Mendonça, um dos doutores mais contrariados com a situação posta agora. E o que a Braskem está querendo jogar? Como escrevi aqui na semana passada, a empresa vai contestar formalmente o laudo que a condena. O jogo, portanto, é contar com a eterna tramitação de ações judiciais.

No Poder Judiciário, além do juiz pavão que deu uma força às pretensões da Braskem, uma voz sempre eloquente é a de Tutmés Airan, o doutor presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas. Em suas várias entrevistas, o tom é de conciliação. Ele parece acreditar piamente nos princípios humanitários e altruístas que regem a empresa. Para o desembargador, brigar não ajuda em nada.

Agora vamos ao mundo real, este em que eu, você e as famílias do Pinheiro habitamos – e que os doutores desse enredo, todos de um planeta paralelo ao nosso, visitam de vez em quando. Enquanto os togados – que se sentem acima de tudo – partem para o duelo de competências, sobra para aqueles que estão em situação desesperadora. Até agora, muito falatório, e nada de concreto.

Um dado bastante exótico na guerra entre os doutores é que são todos amigos. Frequentam os mesmos salões, sempre abastecidos com cardápios dos chefs mais badalados, sempre com os vinhos mais caros e, acreditem, sob baforadas de legítimos cubanos. As famílias também são próximas, e um doutor vive a visitar o outro, numa confraternização permanente, tudo nas etiquetas.

Quando um doutor dispara farpas na direção de outros doutores, aí o negócio esquenta. Mas eles se entendem rapidamente. Afinal, não vale a pena uma briga com figurões da sua própria turma. Basta uma ligação, um convite para um drinque naquele bistrô exclusivo pra VIPs, e tudo lindo. No meio da constelação de tantos doutores, interessa é resolver o imenso drama, essa tragédia de Maceió.

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