O Partido dos Trabalhadores nasceu abraçado com intelectuais renomados, espalhados por universidades e outros espaços do pensamento, digamos assim. O PT também veio ao mundo sob o aplauso das artes e com o engajamento de artistas. A simpatia de amplos setores da imprensa é um dado irrefutável. Muito bem. Com essa origem, o PT de Lula foi, desde o começo e por muitos anos, opção política para os mais escolarizados e os mais ricos. Hoje está tudo de cabeça pra baixo.
Ao longo da década de 1980, a força de Lula e do PT não alcançava o povão, não significava quase nada no Nordeste. O discurso de representante, direto e legítimo, das demandas dos trabalhadores não seduzia os alvos daquele petismo. O voto dos mais pobres era da velharia do PDS e trepeças de semelhante padrão. Era mais ou menos isso. Taí um dilema historicamente ligado às esquerdas.
Em várias partes do mundo foi assim. A vasta literatura trata do tema com diversos autores e abordagens – em diferentes épocas, países e circunstâncias históricas. O drama é como fazer o alto pensamento dos ideólogos do partido se entrosar à realidade da feira e do meio da praça. Lula se referiu a isso tudo várias vezes, desde as origens do partido. Aí chegamos em 2002.
A eleição de Lula mudaria para sempre a relação do PT com o topo e com a base da pirâmide. Em dois mandatos do ex-sapo barbudo, o emblemático Nordeste dos coronéis foi tomado pelo carisma do presidente – e mais o Bolsa Família, é claro. A região que até o fim da década de 1990 desprezava o petista mudou de lado. É por isso que, entre os nordestinos, Fernando Haddad terá mais votos.
Pensei nisso aí ao ler por toda a imprensa, depois de mais uma pesquisa eleitoral, que o PT lidera a corrida presidencial entre os mais pobres e os menos escolarizados – o contrário de quando tudo começou, em 1980. Hoje parece óbvio, nada de tão estranho; mas, com a memória de 20, 30 anos, parece estranhíssimo; a impressão é de que foi quase uma revolução na política do país.
E assim, com a realidade que se cristalizou nos últimos anos, somos nós, os nordestinos, a bola da vez, o voto mais cobiçado entre os principais candidatos a presidente. São mais de 39 milhões de eleitores, 26% do eleitorado nacional. Não por acaso, acabo de ver na propagada na TV, na noite deste sábado, Haddad e Ciro Gomes em campanha pelo Sertão e pelas águas do rio São Francisco.
A propósito, Jair Bolsonaro tem mais voto entre os ricos e os altamente escolarizados. A paranoia da violência explicaria em grande medida essa inusitada preferência. Com tudo isso, podemos perguntar: afinal, o brasileiro não sabia votar antes ou não sabe votar agora? Ou seria simplório pensar o cenário por aí? Pode ser. De todo modo, minha pauta era apenas esta: o Nordeste, um espanto.