Se Bolsonaro degolar uma velhinha cadeirante no meio da rua, os fiéis seguidores do ex-presidente vão acusar a velhinha cadeirante pelo crime. Você sabe, mas não custa lembrar: o bolsonarista raiz não é um indivíduo normal – ou talvez seja isso precisamente a normalidade mais elementar. Tem a ver com o coração. Para uma parte dos brasileiros, ele é inimputável e tem licença para matar, porque veio ao mundo trazer felicidade.
Com esse ânimo indestrutível de seus eleitores, mesmo à luz de todas as barbaridades amplamente registradas, nada cola na imagem de um “mito”. Não vou repetir aqui todos os episódios da mais bruta crueldade que Jair Messias cometeu apenas nos quatro anos de Planalto. Quanto mais sujo e violento, mais admirado ele é pelos súditos.
As piores forças da política sabem de tudo isso. Portanto, enquanto Bolsonaro mantiver essa relação de fidelidade doentia com o povaréu, essas forças estarão com ele. Agora mesmo está aí o indecente movimento para anistia geral, o que significa impunidade para quem tentou tomar o poder de assalto após perder a eleição no voto direto.
Naturalmente é preciso distinguir as massas sob alienação dos delinquentes da política profissional. Para o segundo grupo, diga-se com toda clareza, Bolsonaro é apenas o “grande líder” de ocasião. Aos primeiros sinais de perda de prestígio com as ruas, seus aliados com mandato eletivo pegam as malas de dinheiro e trocam de covil.
Ainda não é o caso, embora já apareçam aqui e ali sinais da rataria fuçando alternativas. Até agora, o nome mais vistoso na fila é o do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Ele se empenha cada vez mais para ser levado até o altar de onde Bolsonaro recebe a veneração da seita. É uma tarefa cheia de percalços e armadilhas.
O dilema para Tarcísio é juntar as demandas do bolsonarismo mais perturbador e os interesses espúrios da plutocracia – que responde pelo inofensivo nome de “mercado”. Como Jair exagerou em tudo, o topo da pirâmide busca um roedor mais higiênico.
Esse movimento se intensificou nos últimos dias, ao mesmo tempo em que Bolsonaro e outros golpistas estão sendo julgados no STF. Daí a ofensiva dos marginais do Congresso em busca de uma anistia geral para criminosos de coturno e quatro estrelas.
O governador paulista escancara sua “moderação” de direita nessa jogada. Aposta tudo na herança dos votos de Bolsonaro – que não será candidato em 2026. Ponto. Mas ele corre o risco de ser carimbado como oportunista e traidor do capitão.
As próximas semanas, com 7 de setembro no meio, devem agitar ainda mais o panorama. Por enquanto, Tarcísio não tem carta branca para degolar aquela velhinha cadeirante. Se o fizer, ao contrário de Jair, será acusado pelo desatino. Por aí.