Uma fonte anônima é perigo à vista para o jornalismo. Não que o jornalista não possa se valer de tal origem para publicar uma informação. Claro que pode. É o que mais ocorre no dia a dia da imprensa. Mas, para isso, tem de redobrar os cuidados na hora de bancar uma notícia cujo informante não pode – ou não quer – aparecer ao grande público. Lembrando que o sigilo da fonte é uma garantia prevista na Constituição.
Talvez o caso mais famoso no mundo seja Watergate, que derrubou um presidente americano na pré-história dos anos 70 do século passado. No Brasil, reportagens de forte repercussão tiveram como base segredos contados por alguém que exige anonimato. Acontece entre nós e no resto do mundo. Como disse, é sempre delicado.
Não me refiro a notinhas plantadas por aí a partir do que o jornalista chama de “bastidores”. Além de parecer uma fórmula preguiçosa, nesses casos a parada quase sempre cheira a trabalho sob encomenda. Aqui, as fontes secretas geralmente servem para detonar ou turbinar este ou aquele político. Desconfie desse modelo.
Não. Estou falando de reportagens de peso, aquelas que podem balançar um governo, provocar crises políticas, implodir licitações milionárias e levar figurões para a cadeia. Aquelas notinhas a soldo causam no máximo bate-boca entre os envolvidos e, em alguns casos, xingamentos contra o jornalista. Em pouco tempo, o assunto evapora.
Uma reportagem do ICL Notícias (site e canal no YouTube) é a motivação deste texto. Num brevíssimo resumo, o veículo publicou que o senador Ciro Nogueira recebeu dinheiro do PCC. A fonte? Anônima. Veja que isso não é uma notícia qualquer. O site exibe trechos de entrevista com o informante, sem identificá-lo, claro. Deu confusão.
Ciro Nogueira, um dos políticos mais poderosos do país, enviou ofício até para o Ministério da Justiça cobrando medidas. É descabido, mas não vamos debater isso. Ele também atribui o caso ao governo Lula, numa estratégia de defesa política. É do jogo.
Um dos jornalistas que assinam a matéria é Leandro Demori, o cara da Vaza Jato cujas revelações demoliram Sergio Moro e a gang de Curitiba. Este é apenas um dos aspectos temerários da história. Demori tem um programa na TV Brasil, emissora pública mantida pelo governo federal. Não se pode acusá-lo por isso, mas é algo bem ruim.
Veículos da grande imprensa hesitaram na cobertura. Demoraram mais do que o normal para repercutir, mas acabaram divulgando. A posição de Demori foi ressaltada por essas publicações – e ele acabou virando personagem do enredo. A coisa piora.
A reação forte de Ciro Nogueira e as circunstâncias em torno do caso levantam dúvidas plausíveis quanto à consistência do material. Uma dessas circunstâncias é o fato de o ICL ser abertamente de esquerda e simpático ao governo Lula. Se o personagem central fosse um político alinhado ao governo ou ao PT, o ICL publicaria a história?
A suspeita é legítima. O que fazer então? Os jornalistas teriam de, a partir da fonte, levantar outros dados, chegar a evidências robustas e ampliar as informações originais. Pelo que li e assisti no portal e no YouTube, não parece que isso tenha sido feito.
Afirmar que a fonte “teria dado depoimento à Polícia Federal” é muito pouco. Ainda mais quando a PF, até agora, dias depois da publicação, se mantém em silêncio. Fosse o editor-chefe do ICL, não publicaria o material do jeito que foi publicado.
Aí temos uma situação clássica: como bancaram o que receberam da fonte anônima, ficam os jornalistas com a obrigação de sustentar tudo até o fim, mesmo com os sinais claros de que há pontas soltas para muito além do razoável. Sinuca de bico infernal.
A fonte anônima pode trazer ao jornalista uma fortíssima informação, uma “bomba”. Mas o que seria um impactante furo de reportagem pode meter os profissionais e o veículo numa armadilha fatal. Suspeito que este seja o caso do ICL e Demori.