Nossa maneira de ler vai mudando com o tempo. Comigo, houve uma época em que poderia pular qualquer assunto nas páginas que pareciam intermináveis nas edições de domingo dos grandes jornais do país. Política, Economia, Comportamento, Internacional – essas e outras editorias (agrupadas em caudalosos cadernos) estavam sempre sujeitas, vamos dizer, a alguma circunstância do espírito. Às vezes, lia tudo, de ponta a ponta; às vezes, atropelava parágrafos.
Mas com os cadernos culturais (ou suplementos literários), aí não. Nada justificaria a negligência com as críticas, resenhas e ensaios sobre todas as artes – da poesia ao grafite, do cinema às instalações, do teatro à música. Cada opinião sobre um autor ou uma obra, por mais breve que fosse, era uma porta para outras informações, mais amplas, num filme, num romance, numa biografia...
A leitura do conteúdo sobre arte e pensamento aliava o prazer estético a uma espécie de compromisso moral com o que realmente interessa na vida. O jornal ia para o lixo após concluído o último texto – mas não o caderno cultural. Aquele era um conteúdo atemporal. Somente após o volume de edições chegar ao ponto de virar um problema doméstico, jogava fora, contrariado.
Não sei a partir de quando, isso mudou. Não que o interesse hoje seja inferior ao que já foi. Mas, em algum momento impreciso, as resenhas e ensaios ficaram um tanto repetitivos. A sensação de familiaridade, digamos assim, com esse universo, com o estilo desse tipo de texto na imprensa, me leva rapidamente, muitas vezes, quase que a adivinhar o que vem pela frente. Há uma fórmula.
Os adjetivos são mortais numa crítica ou numa resenha. E lá vem o resenhista me dizer que a peça revela um universo “sombrio”; que o poema é “seco” e “desconcertante” em sua linguagem; que o filme se constrói em planos “poderosos” e numa fotografia “limpa” e, ao mesmo tempo, “inquietante”. O mesmo tipo de raciocínio está em análises de hoje e de ontem, como grande sacada.
Um problema recorrente no jornalismo cultural (mas não apenas aí) é a aplicação de uma mesma ideia para obras e artistas muito diferentes. Um exemplo que me parece quase insuportável é apontar o escritor que “borra as fronteiras” entre ficção e realidade. Isso já foi dito sobre Borges, Lima Barreto, Roberto Bolaño, David Foster Wallace, Cristovão Tezza e até Chico Buarque, entre outros. Sem falar em toda a literatura beat. Se vale para todos, não esclarece nada sobre ninguém.
Estou falando, claro, de um campo específico de leitura; no caso, o que se publica na imprensa acerca da produção cultural. Nada de enxergar alguma qualidade excepcional num passado glorioso – o que seria cair numa velha armadilha. Talvez tenha sido sempre mais ou menos assim, com variações mais para o lado dos leitores do que para o lado de quem escreve. É uma hipótese.
A análise do resenhista afunda de vez quando a redundância vem embalada no tom de afetação. É um mal resistente nas páginas do jornalismo cultural. Jogo de cena geralmente esconde pobreza nas ideias. Somente a experiência frequente na leitura pode vacinar o leitor contra essas tolices.
Em tempos de tagarelice compulsiva pelas redes sociais, é uma questão de sobrevivência separar as pérolas do entulho de inutilidades. Quando a irrelevância domina até espaços que se pretendem profissionais, isso parece impossível. Mas quem lê tanta notícia, perguntava o baiano mais odara.
(Eu ia falar sobre leitura e pensamento. Não deu muito certo).