Responsabilidade do Parecerista Jurídico segundo o Tribunal de Contas da União e o Supremo Tribunal Federal

29/04/2018 17:38 - Cláudia Pereira
Por Cláudia Cristina de Melo Pereira

                       Como sabemos, o Direito não é uma ciência exata, e o Brasil é considerado  uma das nações que mais produzem leis no mundo. Na árdua seara de licitações, encontramos diariamente decisões, julgamentos e entendimentos dos mais diversos, muitas vezes confusos e contraditórios, uma perigosa "areia movediça jurídica" para quem atua nessa área.

                    Questão deveras tormentosa se insere na dinâmica das licitações: a do parecer prévio sobre o processo licitatório, a ser elaborado por profissional do ramo. Muito embora o gestor não seja obrigado a seguir o entendimento do Parecerista, não é isso que acontece na prática. Assim, o entendimento do Procurador ou Assessor Jurídico, ainda que não mencionado expressamente no ato decisório do gestor, passa a formar sua própria motivação, e integra o ato administrativo como requisito formal hoje considerado essencial à validade dos atos administrativos, ou seja, de mero instrumento opinativo, passa a ser vinculativo.  O fato é que os Tribunais e o próprio STF sustentam a possibilidade de responsabilidade solidária do Parecerista que induz o gestor a erro. Recente entendimento do TCU, o qual transcrevemos abaixo, é um exemplo claro dessa afirmação, senão vejamos:

                    O parecerista jurídico pode ser responsabilizado solidariamente com o gestor quando, por dolo, culpa ou erro grosseiro, induz o administrador público à prática de ato grave irregular ou ilegal. Ao apreciar a prestação de contas da Companhia Docas do Estado da Bahia (Codeba) relativa ao exercício de 2005, o Plenário do TCU, mediante o Acórdão 3193/2014, decidiu julgar irregulares as contas do Diretor-Presidente e da Coordenadora do Departamento Jurídico à época dos fatos, além de aplicar-lhes multa em face da contratação de uma fundação, por dispensa de licitação com fulcro no art. 24, inciso XIII, da Lei 8.666/1993, para a prestação de serviços técnico-administrativos especializados

visando à implantação do Sistema de Gestão Integrada de Meio Ambiente, Segurança e Saúde Ocupacional (SGA) e à criação do Núcleo Ambiental da Codeba, integrado com outras iniciativas convergentes da comunidade portuária”, sem que a referida fundação dispusesse, em seus quadros, de corpo técnico qualificado para a execução desses serviços. Inconformada, a então Coordenadora do Departamento Jurídico interpôs recurso de reconsideração, aduzindo, em síntese, “a natureza opinativa e facultativa do parecer jurídico emitido favoravelmente à contratação, a inocorrência de culpa ou erro grosseiro na emissão desse parecer e o rigorismo da apenação”. Ao apreciar o recurso, o relator ressaltou ter restado configurada a prática de erro grosseiro por parte da parecerista jurídica ao se manifestar favoravelmente à contratação, faltando-lhe “aprofundamento das investigações acerca do preenchimento pela fundação dos requisitos previstos no art. 24, inciso XIII, da Lei nº 8.666/1993, o que, caso promovido, teria levado à constatação de que tal fundação não atendia aos requisitos legais cabíveis”. Para o relator, a recorrente manifestou-se favoravelmente à contratação direta “não obstante a proposta de preços apresentada pela própria fundação denotar que ela não dispunha, em seus quadros, de corpo técnico qualificado para a execução do serviço a ser contratado, e que, em função disso, iria agregar conhecimento técnico de outras instituições”. Além disso, o condutor do processo consignou que “a exigência contida no art. 24, inciso XIII, da Lei nº 8.666/1993 de a entidade contratada por dispensa de licitação, com fundamento nesse dispositivo, comprovar a capacidade de execução do objeto pactuado com meios próprios e de acordo com as suas finalidades institucionais visa evitar que tal permissivo legal seja utilizado para contratação direta de empresa que atuará meramente como intermediária na prestação dos serviços. Busca, ainda, evitar a fuga ao regular certame licitatório, uma vez que a empresa de fato executora do objeto não preencheria os requisitos subjetivos e objetivos para que fosse contratada com fulcro nessa hipótese de dispensa de licitação”. Ao deixar assente que a responsabilização dos pareceristas jurídicos por culpa ou erro grosseiro na emissão de pareceres que induzam o administrador público à prática de irregularidades restou devidamente fundamentada no acórdão recorrido, o relator destacou a pacífica jurisprudência do Tribunal sobre a matéria, a exemplo do Acórdão 1801/2007-TCU-Plenário, transcrevendo o seguinte excerto do voto condutor daquela deliberação: “No que concerne à isenção de pareceristas e à independência profissional inerentes à advocacia, a questão encontra-se pacificada junto a este Tribunal, bem assim junto ao Supremo Tribunal Federal, que evoluiu no sentido de que os pareceristas, de forma genérica, só terão afastada a responsabilidade a eles eventualmente questionada, se seus pareceres estiverem devidamente fundamentados, albergados por tese aceitável da doutrina ou jurisprudência, de forma que guardem forte respeito aos limites definidos pelos princípios da moralidade, legalidade, publicidade, dentre outros. Ao contrário, se houver parecer que induza o administrador público à prática de irregularidade, ilegalidade ou quaisquer outros atos que possam ferir princípios como o da moralidade, da legalidade ou da publicidade, só para citar alguns exemplos, ou que, por dolo ou culpa, tenham concorrido para a prática de graves irregularidades ou ilegalidades, haverá de existir solidariedade entre gestores e pareceristas, já que deverão ser considerados os responsáveis pela prática desses atos inquinados”. Com base no posicionamento externado pelo relator, o colegiado decidiu conhecer do recurso e, no mérito, negar provimento, mantendo inalterado o acórdão recorrido.Acórdão 362/2018 Plenário, Recurso de Reconsideração, Relator Ministro Augusto Nardes.

                          Diante da clareza de tal decisão, ficou evidenciada  a responsabilidade solidária do Parecerista  que induz o gestor a erro inescusável. De igual modo, o Supremo Tribunal Federal igualmente admite a responsabilização do Parecerista na hipótese prevista no artigo 38 da Lei nº 8.666/93.

 

Referências Bibliográficas

BRASIL. Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993. 

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm

 

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão n° 362/2018 – Plenário. Disponível em:<http://www.tcu.gov.br>. Acesso em: 16.04.2018.

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