A morte de Marielle e a “morte” da democracia brasileira

19/03/2018 04:27 - Blog do Celio Gomes
Por Redação
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Você acha que a democracia no Brasil está sob ameaça? É o que dizem as mais variadas vozes – de intelectuais da academia a lideranças políticas, passando, é claro, pelo universo da arte. Todo dia, vejo algum representante dessas categorias, com ares de muita preocupação, a nos trazer o inquietante alerta quanto à proximidade do abismo: o país tem um regime democrático de mentira.

 

O discurso é anterior ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, mas é inegável que se tornou imensamente mais comum e repetitivo após o afastamento definitivo da petista. Na verdade, trata-se de uma versão dos fatos – o que aliás combina com a acusação de que houve um “golpe” com a destituição do poste inventado por Lula. Como dizem por aí, é guerra de narrativas.

 

Nesse quadro de radicalismo político e ideológico, o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), no Rio de Janeiro, inflacionou o índice dos que veem o Brasil à beira de um regime autoritário. “O crime que matou a vereadora é um atentado à democracia”, dizem inúmeros entrevistados na ostensiva cobertura da imprensa sobre o caso. Parece que vivemos num regime de terror.

 

Como sempre acontece, na algaravia generalizada nem os que estão do mesmo lado se entendem quanto à extensão do diagnóstico. Alguns denunciam, como disse antes, uma ameaça às instituições e às regras legais; outros, talvez mais visionários, já decretaram a morte da democracia no país. Aqueles que discordam ou são alienados ou estão mesmo do lado das forças do mal.

 

A morte da vereadora é um crime covarde e hediondo. As autoridades têm obrigação de produzir uma investigação eficiente. O esclarecimento do caso é essencial ao país. Nada menos que isso. A pergunta número um é sobre os mandantes do atentado. Ela era uma crítica dura das ações da Polícia Militar nas favelas. Sua atuação também incomodava as milícias cariocas.

 

Como a maioria dos brasileiros, eu também nunca ouvira falar de Marielle Franco. A enxurrada de informações que veio agora, não tenho dúvida, revela alguém especial. Intelectualmente preparada, firme na defesa de ideias e projetos, ela combinava essas evidentes qualidades com a vivência direta das periferias. Com autoridade, falava daquilo que conhecia na pele.

 

É uma tragédia brasileira. Mas, precisamente porque estamos numa democracia – de fato e de direito –, o assassinato de Marielle está sendo investigado como deve ser. Todos os procedimentos obrigatórios serão seguidos, dentro do que prevê as leis, para que os criminosos sejam identificados e presos. Deve-se cobrar que isso ocorra o mais rápido quanto possível.

 

Acrescento que, também nesse episódio, o discurso do caos, em boa medida, obedece a interesses políticos. E isso apenas tumultua as apurações, além de representar uma ofensa à memória da vereadora. Sua morte não pode ser usada como bandeira partidária, com palavras de ordem cuja meta são dividendos eleitorais. Que haja menos panfletagem – e mais respeito por Marielle.

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