Periga o Brasil desmoralizar o instrumento judicial conhecido como colaboração premiada. Se isso ainda não ocorreu, parece faltar bem pouco. E a responsabilidade pela presepada é das próprias autoridades que deveriam zelar pela rigorosa aplicação da lei. Afinal de contas, atropelaram de tal modo os limites do processo legal, que perderam o controle da situação.

Vejam o que está dizendo o açougueiro Joesley Batista sobre sua nova rotina de presidiário, depois de ficar provado que ele fraudou sua própria delação contra o presidente Michel Temer e outros políticos. Em depoimento à Justiça, o dono da JBS se diz vítima da “covardia” da Procuradoria Geral da República. Segundo sua lógica, o combinado não está sendo cumprido.

Na mesma linha, Wesley Batista, o outro açougueiro também preso, afirma agora que o “único crime” que cometeu foi ter formalizado o acordo de delação com o Ministério Público Federal. O irmão de Joesley reclama de “traição” por parte daqueles que, até ontem, eram seus parceiros na PGR.

É bastante reveladora a maneira como os dois se referem às autoridades com as quais negociaram suas delações. Sem disfarces, deixam claro que procuradores sabiam exatamente como agiam e, mais do que isso, contavam com o aval dessas autoridades para aprontar o que aprontaram. Nada mais natural, portanto, que se sintam no direito de denunciar o que eles consideram uma covardia.

O que já era algo bastante turbulento, depois do caso JBS, ficou ainda mais grave. As peripécias da PGR, tomada pela vaidade e excessos de muitos de seus membros, acabaram por espalhar suspeitas sobre a eficácia e credibilidade das delações. Novas consequências certamente vão aparecer nos próximos dias.

Pelos últimos acontecimentos, parece evidenciado que agentes da lei empregaram métodos bem pouco transparentes no trabalho investigativo. Agiram como se tivessem licença para ignorar a Constituição. Assim, para legitimar suas ações, se utilizam da gritaria desinformada por justiça a qualquer custo.

A mistura de má-fé e amadorismo vai acabar produzindo o efeito contrário ao que se espera de investigações sérias e competentes. E esse estado de coisas não é consequência de pressões externas sobre o Judiciário e o Ministério Público. Os senhores procuradores e juízes não podem fingir que nada têm a ver com o descalabro. A bem da verdade, são os mentores da crise dentro da crise.