O fator comercial e a morte do jornalismo

13/09/2017 02:34 - Blog do Celio Gomes
Por Redação

Fala-se muito de interesses políticos por trás da notícia. A realidade brasileira está aí para justificar a natural desconfiança. Mais do que isso, comprovadas manipulações atestam que o erro deliberado é prática recorrente na imprensa. Fake news é coisa antiga, um mal de origem. Nos bancos das faculdades de jornalismo, professores alertam para “a questão ideológica” nas entrelinhas do texto. O problema, no caso dos professores, é que não ensinam mais nada além do miserável clichê.

Mas, sobre a atividade da imprensa, minha pauta agora é outra. Um dos desafios do bom jornalismo sempre foi, e sempre será, o de resistir às fortíssimas pressões das demandas comerciais nas empresas de comunicação. É óbvio que se trata de um setor vital para a saúde dos veículos. A conquista de anunciantes garante o pagamento de salários, a solução para cobrir custos e a viabilização de investimentos. Ocorre que, na prática, não é tão simples assim.

Na rotina das empresas, o convívio entre redação e departamento comercial passa longe da harmonia – a não ser quando vigora uma deplorável subserviência da primeira à indevida interferência do segundo. Quando isso ocorre, o jornalismo está morto. Tragicamente, é uma realidade comum por aí afora.

Durante anos, no comando de redações, nunca permiti que essa prática degradante aviltasse o meu trabalho e o trabalho de minhas equipes. Seria um tiro no coração. A desmoralização completa. Por combater ações execráveis desse tipo, jamais despertei a simpatia de executivos das áreas comerciais e afins. Pelo contrário. Acho que não acalentam boas lembranças a meu respeito. Sendo bem claro, quem manda na redação é o jornalista. O diretor comercial apita no seu pedaço.   

O que torna o dia-a-dia uma guerra é a voracidade de muitos profissionais responsáveis pela obtenção de publicidade. O traço mais comum no perfil de gestores dessa área é a compulsão por atropelar princípios éticos. Vale qualquer absurdo para garantir mais dinheiro. Sem limites para obter o que desejam, se arvoram no papel de censurar tudo ou tudo publicar. A perspectiva do êxito no faturamento decide se será um extremo ou outro.

Em nome do contrato, a ala comercial defende, sem meias-palavras nem constrangimento, o veto à notícia obrigatória ou a publicação da mais estúpida falsidade. A cabecinha obtusa e a alma mercenária de certos executivos não lhes permitem agir de outra forma. Se tiverem licença para aprontar livremente com o mercado, a chantagem e a extorsão se estabelecem como métodos normais de administração.

Num ambiente com esse grau de selvageria, à direção de jornalismo cabe resistir e se impor com veemência. Fora disso, é ficar de joelhos, abdicar de suas funções e cumprir ordens ultrajantes. Quando, para garantir o cargo, o gestor da redação se acovarda, perde o respeito da própria equipe e dos demais setores da empresa.

Um sinal de que as coisas se inverteram é quando as pautas são submetidas aos senhores do setor comercial. Em minha experiência, jamais concordei sequer em debater tal possibilidade. Tratei com desprezo qualquer insinuação nesse caminho. É inegociável. Dezenas de profissionais competentes com os quais trabalhei estão aí no batente. Sabem do que estou falando.

Para fechar. A política, é verdade, pode ser um fator de pressão externa sobre a redação. Deve ser combatida. Mas igualmente deletéria é a pressão de dentro, o rolo compressor dos departamentos comerciais que ameaça o bom jornalismo. É uma indecência que também tem de ser combatida, sem trégua, dia após dia.

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