“No meio do buraco tinha um trabalhador.” A banalização da vida no ambiente laboral.

29/07/2017 16:00 - Trabalho do Carvalho
Por Trabalho do Carvalho
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Prefiro acreditar em milagres, ainda que toda e qualquer racionalidade seja contrária à lógica da esperança. Talvez por mera tentativa de querer me agarrar no que puder, enquanto deslizo até o fundo da realidade fria e implacável.

O prodígio ocorrido na Av. Major Cícero de Góes Monteiro, Mutange, capital das Alagoas, no dia 21, reforça meu credo. A continuidade da vida daqueles trabalhadores que, contrariando todas as estatísticas, conseguiram escapar do soterramento que provavelmente ceifaria suas vidas é algo que vai ficar gravado em meus pensamentos.

- “Sai daê, bora meu filho! Psiu! Óia! Tá tremendo aí!”

Da mesma forma, marcados ficam nas estatísticas oficiais os 700.000 trabalhadores acidentados todos os anos em nosso País, o quarto que mais acidenta, mutila e mata aqueles que saem todos os dias de casa para ganhar seu sustento.

Na terra dos marechais, apenas nos últimos cinco anos ocorreram mais de 50.000 acidentes/doenças relacionados ao trabalho, na grande maioria no setor sucroalcooleiro. Contudo, muito provavelmente este quantitativo é maior por não contemplar grande parte da informalidade, do trabalho familiar rural, do trabalho infantil e de outros públicos excluídos das garantias básicas trabalhistas e previdenciárias.

- “Saí daê. Quer deixa a viúva pro pé de pano?”

Garantias cada vez menores. É necessário repisar, ainda atordoados com uma reforma (sic) trabalhista, que nenhuma das supostas modernizações que esfolaram mais de uma centena de artigos da CLT tem como objetivo prevenir, controlar ou reduzir os alarmantes índices de acidente laborais no País.

Nada. Nenhuma linha foi escrita para modernizar a gestão de segurança e saúde do trabalho em nosso País. A reforma (sic) limitou-se a apenas tratar o empregado como custo a ser reduzido.

- “Vai deixar o salário pro pé de pano gastar na praia? Fica aí.”

Reduzir custos, entenda-se precarizar o trabalho, é muito pouco para um País cuja condição de segurança e saúde laboral precisa urgentemente avançar. Um exemplo disso é ainda estarmos na contramão de 60 países que aboliram o amianto em seus processos produtivos, dentre outros motivos, pelas mais de 107.000 pessoas que morrem anualmente de enfermidades associadas ao seu contato, na sua grande maioria doenças ocupacionais.

A lógica (sic) da redução de custos e, consequentemente, em segurança e saúde do trabalho é a mesma do motorista que alega não trocar os pneus carecas de seu veículo porque estão caros e, mesmo assim, insistir em dirigir normalmente em dias de chuva. Assim como aquele motorista, o País provavelmente vai capotar.

- “Óie. Óie, véio. Tá vendo? Óie, aí!”

Estou vendo sim, amigo narrador. Da mesma forma que você, vi dois trabalhadores escaparem de um acidente, provavelmente fatal, por míseros cinco segundos, tempo no qual a barreira desmoronou após terem sido “resgatados” pela pá daquela retroescavadeira.

Vejo também o desrespeito pelo trabalhador, não só pelo descumprimento de suas garantias mínimas em segurança e saúde, como também pela omissão do poder público no seu dever de fiscalizar. Em Alagoas, a Superintendência do Trabalho continua interditada, as viaturas que ainda teimam em operar foram doadas por outras instituições, há um grande déficit de servidores visto que não há concursos. Soma-se ao caos um contingenciamento adicional de R$ 5,9 bilhões, recém anunciado, que paralisará a fiscalização do trabalho.

Sem embargo, na contramão, o governo “garante” a liberação de R$ 13 milhões de recursos para o carnaval do Rio de Janeiro, num País onde quem samba é o trabalhador.

- “Reze e agradeça à Deus, viu?”

Sim, pois é preciso ter esperança em alguma coisa. Mesmo que toneladas de terra estejam desmoronando sobre você.

Confira o vídeo abaixo, nas palavras do narrador:

 

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