Olá, pensadores!

Esquecemos muito facilmente de fatos que poderiam mudar nossa história. A dúvida é saber se, verdadeiramente, esquecemos ou, apenas, nos acostumamos a eles. Exagero? Quem se lembra dos grandes e recentes escândalos envolvendo figurões da nossa política? Daqui a alguns dias, quem mais vai se lembrar desse estardalhaço que tem sido a CPI do Cachoeira? Além de matéria para a imprensa, que lições ficarão de todas essas denúncias de irregularidades? Quantas tantas já presenciamos e, simplesmente, esquecemos?

Ensaiamos um discurso indignado e posamos de "senhores consciências" ao não entender porque as coisas, no Brasil, não seguem em frente. Por que tantas obras superfaturadas, por que tanta gente à míngua, por que ainda falta escola, rede esgoto, água encanada? Permanecemos apáticos quando ouvimos, num noticiário que, na "pátria mãe gentil", credora do FMI, ainda se morre por desnutrição, dengue, diarréia e outras doenças medievais. As coisas, de verdade, pouco ou não avançam. Há explicação lógica para isso?

Uma possibilidade é que nós, brasileiros, não temos o bom costume de olhar para trás. Não nos importamos se o político acumulou incontáveis denúncias, foi flagrado negociando cargos, participou de superfaturamento de obras, mandou matar e, de quebra, afirmou estar "se lixando para opinião pública". Parece que o cargo eletivo envolve tais figurões numa áurea que cega o povo. As bocas mais incautas balbuciam: "o homem é senador", tentado encobrir falcatruas deslavadas. Muito pior, quando chegam aos seus redutos, nos Estados, o político é aclamado pela corja de bajuladores e o povo, que só o vê pela TV, de repudiá-lo, quer se aproximar para tirar uma foto, ou pedir um emprego... Mais importa a festa do momento e o orgulho, depois: "minha foto com o senador". Sem dúvida, o profeta Oséias acertou na mosca: o "povo perece por falta de entendimento".

A outra explicação é a de que nós, brasileiros, podemos ter herdado de ancestrais lusitanos o "gene" da corrupção. Essa carga hereditária, transformada em cultural, incorporou-se ao nosso DNA. A roubalheira não nos aborrece, a corrupção não nos enoja, o enriquecimento ilícito é "uma oportunidade ímpar", o "jeitinho" é tolerável... Guardadas as proporções, somos todos corruptos. Subornamos a polícia, sonegamos impostos, "agradamos" ao oficial de justiça, saqueamos cargas viradas, roubamos água, luz, telefone e, agora, internet... Por isso, de forma verdadeira, não condenamos os atos dos nossos parlamentares, a menos hipocritamente ou, no mínimo, desejando-lhes o lugar.

A "teoria da representatividade" nunca foi tão bem comprovada: como esperar políticos diferentes se advindos de uma sociedade corrupta? Recentemente, recebi um e-mail que pedia para não reelegermos ninguém, forma de renovarmos a classe política brasileira. Se a teoria do gene estiver certa, inútil terá sido a corrente. Os novos eleitos estarão diante de sua "grande oportunidade" para mudar de vida, motivo maior pelo qual se disputa uma eleição, hoje, no Brasil. Aliás, pensando bem, a coisa já começa meio estranha: como se explica o gasto de milhões, numa campanha, cujos salários renderão, no máximo, milheiros? O equilíbrio da balança é alcançado de outra forma e é aí onde moram o perigo, a imoralidade, o favorecimento e toda ordem de desordens.

Por fim, fato é que temos visto – e dado – tão poucos exemplos de sensatez, honestidade e preocupação pública que o pessimismo antropológico nos domina. O homem é o lobo do próprio homem, como disse o pensador. Cegos, portadores de amnésia moral ou dolosamente corruptos, seguimos, egoístas, cada um o seu caminho. Rumo que, a despeito de nos fatigar, não nos leva a lugar algum.