“Ai, se eu te pego” e a sociedade da estupidez

29/01/2012 12:44 - Balaio do Teles
Por Redação

Olá, pensadores!

Nada contra ao que chamam de arte por arte ou arte de entretenimento. Mas considerar “Ai, se eu te pego” um fenômeno musical mundial é façanha que somente se justifica pela junção de dois fatores: uma sociedade que carece de referências e de discernimento em educação e um aparato tecnológico capilarizado a tal ponto que cada pessoa, influenciada diretamente pela cultura midiática, possa reproduzir livremente àquilo que passa a adotar como padrão cultural.

Não estou desqualificando ou desacreditando a canção de Michel Teló, como se ela não tivesse qualquer valor. Muito pelo contrário, entendo que há certa utilidade em canções como “Ai, se te pego” e similares: entreter e divertir. Se todos entendessem que essas seriam as únicas funções do hit, não haveria qualquer censura a se fazer.

O que considero beirar o absurdo é ver “Ai, se eu te pego” elevada à condição de “canção do ano” ou, pior, ver a dita conceituada revista americana Forbes comparar a musiquinha do “habilidoso e talentoso Michel Teló” (palavras da revista) a toda a obra de Carmen Miranda. Só o mais completo ignorante não vê que a densidade e o nível dos trabalhos de Teló e Miranda são imiscíveis, bem como as circunstâncias e o contexto histórico em que tais trabalhos eclodiram. Sinceramente, é a mesma coisa que comparar banana com laranja!

A arte de nosso tempo, e em especial a arte musical,  encontra-se numa fase complicada. Passamos por um processo de empobrecimento cultural. A música popular brasileira está irreconhecível. Aliás, talvez a sociedade brasileira esteja irreconhecível. Os grandes festivais, palcos para momentos épicos de aparição de interpretes, compositores e canções memoráveis, socialmente responsáveis, artisticamente elaboradas ou, ainda, harmonicamente irresponsáveis, deram lugar, nos dias de hoje, aos shows de massa, animados por bandas meteóricas e seus sucessos tão fulminantes quanto ocos, mas que ganham espaço na mídia por terem um potencial indiscutível de agradar a massa sem filtros e gerar lucro. É a educação cultural às avessas.

Frise-se que não estou sugerindo que toda arte ou toda música deva ter, para ser considerada arte, uma finalidade social ou política, como, por exemplo, uma denúncia ou uma ode ao amor. Não se trata, em absoluto, disso! A arte pode, sim, ter um plano de fundo numa dessas questões, mas pode, simplesmente, ser feita para agradar, para ser contemplada, para ser sentida. O que não dá para aceitar, sem que a consciência me acuse, é que "Ai, se eu te pego" seja posta como a marca de uma nação, em detrimento de todo o verdadeiro patrimônio cultural já construído.

Na minha opinião, Michel Teló e sua “Ai, se eu te pego” (que, na verdade, nem é sua: trata-se de uma composição de Sharon Acioly, animadora de palco baiana) são a prova de que nossa “sociedade de massa” caminha para um futuro cada vez mais decadente e tenebroso, em termos culturais, onde qualidade, noção estética ou poética e boa arte sucumbem àquilo que a massa diz que é bom, massa esta absolutamente perdida em referenciais e que segue, feito uma manada, atrás dos produtos inventados pela grande mídia.

Há um filme americano, lançado em 2006, cujo título é Idiocracy (O poder nas mãos dos idiotas), dirigido por Mike Judge, que retrata muitíssimo bem, num áspero humor negro, esse caminho que a humanidade parece trilhar. O filme conta o relato de duas pessoas que se sujeitam a um experimento e passam 500 anos dormindo. Quando acordam, descobrem que o mundo estava em pleno caos, formado por uma sociedade absolutamente anti-intelectual, sem qualquer referência cultural ou histórica, onde a grande massa era uniformemente estúpida, decorrência da massificação exclusiva de amenidades. Concordem ou não, o surgimento de fenômenos mundiais como “Ai, se eu te pego” parece apontar nesse sentido.

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