Ano Novo: velhas promessas, falsas viradas

28/12/2011 19:24 - Balaio do Teles
Por Redação

Olá, pensadores!

Não sei se por mesmice jornalística ou por falta de criatividade, fui obrigado a assistir, nos telejornais, mais uma penca de matérias que falam dos desejos dos entrevistados para o ano que se aproxima. Emagrecer, arrumar um namorado, pedir perdão à mãe, ficar rico, ser mais honesto, mais humilde... Respostas tão vazias e tão sem originalidade, quanto às próprias matérias. Respostas rotineiras para um “jornalismo” não menos comum.

Nisso, lembrei de um poema de Carlos Drummond de Andrade que diz que “quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial”. Segundo o poeta, tal ser “industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão”. E mais, diz Drummond que “doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente.”

Apesar do tom agradável do escrito poético e da retratação do senso comum, tenho algumas objeções à mensagem do texto. Diferentemente do poeta, não acredito que datas – ou a mudança de números – sejam suficientes para mudar as pessoas. Se olharmos bem, as promessas que nos fizemos há anos são as mesmas que continuamos fazendo hoje. Aquelas que temos como cumpridas, na verdade, não dependeram de virada de ano algum.

De fato, a idéia de começar de novo, um novo ano, um novo janeiro, gera um impacto psicoemocional. Mas este efeito dura, no máximo, até a manhã do dia 2 ou 3 de janeiro. Todas as promessas feitas são esquecidas no primeiro dia de retorno ao trabalho, ao cotidiano. Aquele “ôba ôba” e o repentino altruísmo que nos invade nos últimos dias do ano somem como que por mágica logo na primeira semana do novo ano.

E aí, ficamos enchendo o saco de baboseiras e de novas velhas promessas para que, no dezembro do ano que apenas acabou de começar, prometamos a nós mesmos que, mais uma vez, “daqui pra frente tudo vai ser diferente”.

Na verdade, Drummond, quem teve a idéia de dividir o tempo e criar o calendário apenas procurou uma forma de criar a rotina, instrumento que viabiliza a vida em sociedade. Nada tinha a ver com renovação de idéias ou mesmo de personalidade, como atualmente a virada de ano quer sugerir.

Não se trata de sisudez. Quem me conhece sabe que de siso eu nada entendo. Mas é que me dói o juízo ver que, a cada ano, parecemos mais conformados com as idéias industrializadas, massificadas, que não passam de pura aparência. Essas matérias idiotas, esses votos de mudança vazios, essa indústria do fim de ano, essa pouca preocupação com a essência das coisas.

Quer fazer uma boa promessa para esse ano novo? Comece ponderando todas as promessas que você fez ou vai fazer até a virada do ano. Antes de prometer, delibere bem. Veja quais são as reais possibilidades de cumprir o que está prometendo.

Estude se seu coração está pronto para amar ou para perdoar. Se sua disposição aguentará a dieta e a malhação. Se seus estudos serão suficientes para passar no vestibular ou conseguir aquele emprego público. Se seu egoísmo deixará você doar mais um pouco de você ou de seus bens em prol de uma causa justa. Se você realmente terá palavra para manter tudo o que tem dito o que vai fazer. Faça essa análise. Se tem de prometer algo, comece o ano prometendo que suas promessas só sairão de sua boca se não nascerem apenas dela.

Ah, e o mais importante: se não der para prometer agora, não tem problema: a virada do ano não é um portal mágico para as mudanças que precisamos fazer. O réveillon é só a mudança no calendário. Qualquer dia é dia para que uma “virada” mais efetiva seja dada. Importa que, mais que uma mudança de data, a tal “virada” seja uma mudança deliberada e consciente de comportamento, uma mudança de vida.

 

Estou no twitter: @sjteles

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