Olá, pensadores!

Poesia, comédia, originalidade e excelente tratamento cênico! Estas foram as minhas impressões ao acompanhar as primeiras cenas da novela Cordel Encantado, da Rede Globo, cujo último capítulo foi ao ar nesta sexta-feira. A rica e inigualável cultura nordestina, aliada ao mistério dos contos de fada europeus, propiciou às autoras, Thelma Guedes e Duca Rachid, comporem uma trama cheia de ação, graça e suspense.

Fugindo do cansativo padrão que parecia ter se instalado na forma de se fazer novela no Brasil, com folhetins pouco inovadores, cansativos e baseados nos mesmos clichês, Cordel Encantado conseguiu a proeza de devolver ao público a ideia de novela espetáculo, com personagens bem caricaturados, eventos fantasiosos e inesperados e o uso da ficção despreocupada, mas não irresponsável.

A composição e atuação do elenco talvez tenha sido o ponto alto e, também, a pior parte de Cordel Encantado. Ela levaria o Oscar de melhor elenco pelas atuações de monstros como Zézé Polessa e sua impagável Ternurinha, Marcos Caruso e o inigualável Prefeito Patácio, Osmar Prado e o insubstituível Batoré e o garoto revelação João Fernandes, o querido Nidinho. Por outro lado, são dignos da Framboesa de Ouro, como piores atuações, os protagonistas, Cauã Reymond (Jesuíno) e Bianca Bin (Açucena), o inexpressivo Carmo Dalla Vecchia (Rei Augusto) e a insuportável Emanuelle Araújo (Florinda).

É bem verdade que alguns pontos da trama não ficaram bem amarrados ou, pelo menos, o exagero das autoras na tentativa de atar os pontos parece não ter surtido o efeito desejado. Por exemplo, a ideia de trazer à trama a figura do profeta nordestino, Miguézin (Matheus Nachtergaele), numa alusão clara a Antônio Conselheiro, líder de Canudos, perdeu-se quando se deu a ele a única missão de esperar por uma “flor” salvadora que, como visto, não salvou o sertão. Os exageros das cenas transcendentais do profeta, com a exaustiva e tenebrosa menção ao “filho das sombras”, não condisseram com a salvação proclamada e esperada e a questão espiritual pareceu, muito mais, uma forçada de barra.

Aliás, sobre Timóteo Cabral (Bruno Gagliasso), deve-se fazer uma observação em especial. As autoras, infelizmente, perderam a chance de perpetuá-lo na parede de grandes vilões da teledramaturgia brasileira ao tirar a lucidez do coronel latifundiário e revestir-lhe numa espécie de loucura romântica, insanidade esta que nos fez desacreditar em seu potencial de maldade. Passamos a encará-lo como um louco, apenas. O brilho do ator e seus bordões (“fique quietinha, vá”) foi ofuscado por uma péssima escolha autoral.

Devo confessar, também, que Cordel Encantado teve seu ápice até a sua primeira metade, com o enredo ainda a se desenrolar. Inclusive, foi nesse período que ela marcou seus maiores pontos de audiência. O êxito dos diretores em fazer de cada capítulo uma mini história, com começo, meio e fim provocativo, deixou-nos a todos loucos para não perder um só momento do folhetim. Contudo, depois de bem conhecidas as personagens e, também, as possibilidades de evolução da estória, Cordel Encantado foi perdendo seu poder atrativo, mas, devido ao seu conjunto, conseguiu manter boa parte de seu público cativo, superior a média histórica do horário.

Achei ousada e bem acertada a ideia das autoras de acabarem as agruras das personagens no penúltimo capitulo da novela. Fugindo, mais uma vez, do padrão, Cordel Encantado permitiu que as contas fossem acertadas antes da hora. Timóteo Cabral e Úrsula (Débora Bloch), principais vilões da trama, tiveram seus destinos selados no penúltimo capítulo. Isso permitiria que, bem dentro do espírito da novela, o gran finale fosse mais leve, mais cômico e mais voltado ao espetáculo.

Contudo, não foi bem assim: o último capítulo, a meu sentir, foi apenas morno e cheio de péssimas escolhas, a exemplo do romance de Petrus (Felipe Camargo) e Filó (Flávia Rubim), começada no capítulo anterior, e a reconciliação entre Herculano (Domingos Montagner) e Benvinda (Cláudia Ohana). Mas, sem dúvidas, a pior delas foi a chegada do novo Coronel, Pedro Falcão (Caco Ciocler), para retomar as terras que eram de Timóteo Cabral. Ora, como dito, a novela se destacou, exatamente, por seu caráter fantasioso e, por isso, a lição de que o mal sempre existe não precisava ser dada ali, muito menos daquela forma.

Ainda assim, mesmo com minhas críticas, tiro o chapéu para Cordel Encantado, uma novela que me fez ficar sentado na frente da televisão como, há muito, eu não fazia, muito menos por causa de folhetins televisivos. Rica em cultura e compromissada com a graça, Cordel Encantado foi um sinal de que nós, público, estamos cansados de novelas que tentam, a todo custo, se passar por gritos de denúncia ou retratos da vida real. Cordel Encantado deixou bem claro que ainda há, por parte dos espectadores, o anseio por ver simplesmente arte, graça, leveza e encanto.