Olá, pensadores!
Recentemente, ouvindo certo palestrante num evento jurídico, iniciei uma reflexão que, recorrentemente, vem à minha mente e diz respeito ao nosso sistema político. Dizia o emérito conferencista, citando Hans Kelsen, grande jurista positivista do século XIX, que “uma lei não há que ser avaliada justa ou injusta por seu conteúdo. A idéia de justo ou injusto deve ser feita tendo como referência o órgão que editou a norma”.
O palestrante disse que, de acordo com Kelsen, “se uma lei é fruto de um parlamento eleito pelo povo, essa lei é, em si, justa”. Porque, por óbvio, “ninguém é injusto consigo mesmo”, disse ele. Deu pra entender? Ele quis dizer que se o povo elege quem faz as leis, estas serão sempre justas, pois é a vontade do povo refletida naqueles que o representam. Em teoria, faz todo sentido!
Antes de encerrar sua explanação, o conferencista fez questão de dizer que esse não era o seu pensamento e que o próprio Kelsen, antes de encerrar sua obra, revisitou-a e ficou a se contender quanto a este ponto. Todavia, o que importa é que a provocação do palestrante me levou, como disse no início, a uma reflexão: agora não mais sobre o saber jurídico mas, sim, sobre o político... Sobre a base da democracia representativa.
De fato, elegemos o parlamento (municipal, estadual e federal) para que este, como nossos legítimos representantes, editem as leis que nos regerão. A teoria é perfeita. Um deputado, por exemplo, falando por todos os seus eleitores, dirá qual é a vontade deles, expressando-a na lei. Do mesmo modo, no Executivo, escolhemos um representante que, em nome de seus eleitores, administrará os recursos públicos.
É fácil, simples e deveria dar certo... E por que não dá?
O que ocorre é que o sistema representativo, embora continue em vigor, encontra-se totalmente deturpado. Apesar de os elegermos, os políticos não representam seus eleitores. Eles sevem a entidades que, a cada eleição, mudam de face e feição para, a todo e qualquer custo, locupletar-se: os partidos políticos. O desastre não seria tão grande se os partidos tivessem o compromisso com o povo... Mas, não raro, eles servem a seus próprios interesses de manutenção no poder e formação de castas influentes.
Nem estamos em fase eleitoral, mas o zunido é ouvido em todo lugar. É partido X que se coliga aos partidos A, B e C, para fechar um dito “chapão”. É político que deixa partido e funda um novo. É partido novo, que não sabe nem se fica, já tendo dissidências severas. É a diretoria nacional de um que intervém na regional de outro, para dizer quem deve ou não sair candidato. É um arranjado inescrupuloso de nomes e cargos para uma composição que, na verdade, é míope e mesquinha. Cada um e o seu próprio umbigo. E o povo, os ditos representados, alheio a tudo.
Estou certo, o nosso sistema representativo está falido. O povo não tem mais representante nenhum. Mantida no apertado cabresto da falta de educação política, a grande massa de eleitores atua como coadjuvante que sanciona, sem saber o que faz, a atuação de interesses partidários, esses, sim, representados pelos políticos eleitos. E nós, com a passividade que nos é própria, vivemos das migalhas que caem das mesas onde se acertam e repartem os verdadeiros montantes.
As próximas eleições ainda serão ano que vem mas já vejo inúmeras discussões sobre nomes... Vejo políticos agredirem-se mutuamente, acusarem-se de traição, reclamarem promessas não cumpridas, destruírem o trabalho um do outro, num bate-boca onde o interesse do povo passa por longe. Aliás, vejo o povo, cada vez mais afastado da consciência, repetindo nomes que as campanhas publicitárias e os marqueteiros, desde já, incutem em suas mentes...
O pior é que chego a triste conclusão que, enquanto a atividade política, no Brasil, for vista como uma inesgotável fonte de riqueza, locupletamento fácil e poder e, também, enquanto não houver a previsão de um instrumento hábil que permita ao povo cassar a procuração dada ao representante pífio, a coisa não vai mudar. O nosso sistema representativo continuará sendo esse grande faz de conta, onde, a despeito de ser o elemento principal, o povo - seus anseios e necessidades - nunca figura como pauta principal das discussões sobre os destinos políticos.